Desmistificando a epilepsia
Embora a Epilepsia possa ser considerada um problema de saúde pública, já que é uma doença que tem uma prevalência na população entre 1 e 2 %, na prática, não é dessa forma que este mal é tratado na nossa sociedade.
Apesar de ser uma doença conhecida há milénios, os portadores continuam a ser discriminados e muitas vezes são vítima de preconceito. Existem mais de 50 milhões de portadores de epilepsia no mundo e, no Brasil, são mais de 3 milhões de pacientes.
Chamamos de epilepsia a uma doença caracterizada pelo surgimento de crises convulsivas que se repetem ao longo do tempo. Existem crises convulsivas de vários tipos, sendo que a mais conhecida é aquela que se acompanha de perda de consciência e movimentos de flexo-extensão generalizados.
É uma doença que atinge por igual homens e mulheres. Denomina-se epilepsia primaria quando não encontramos uma causa conhecida, já as epilepsias secundárias são aquelas que são consequência de uma causa conhecida como pós-AVC, pós-TCE, causas metabólicas, etc.
As epilepsias primarias em geral tem um componente de predisposição genética, muitas vezes se identifica mais de um caso na mesma família. Existem algumas síndromes epilépticas cuja alteração genética tem sido identificada como acontece com a Epilepsia Mioclónica Juvenil.
Os modelos de epilepsia in vitro e in vivo mostram que as crises epilépticas se originam pela descarga elétrica anormal num grupo de neurônios, quando a descarga elétrica consegue se espalhar para o resto do cérebro haverá a perda de consciência. A disfunção acontece temporariamente durante a duração das crises convulsivas.
As crises convulsivas generalizadas duram geralmente menos de três minutos. Os familiares destes pacientes sabem que, nessa hora, precisam colocar o paciente em decúbito lateral (de lado), o que facilita a drenagem de secreções e diminui o risco de aspiração em caso de vômito. Além de não tentar segurar os movimentos, não colocar nada na boca e nem oferecer nenhum tipo de líquido ou alimento.
Após cessarem os movimentos e o paciente recuperar a consciência, existe um período pós-crise em que o paciente pode estar confuso, sonolento e com cefaleia. Devemos acompanhar esse período até a plena recuperação de suas funções cognitivas.
Há sempre uma grande preocupação com o surgimento de crises convulsivas em crianças. Na grande maioria de casos, as crises podem ser controladas com tratamento. Estima-se que cerca de 70% dos casos de epilepsia podem ter cura após 3 a 5 anos de tratamento.
É de grande importância iniciar o tratamento o quanto antes para evitar, dessa forma, as sequelas cognitivas que crises recorrentes, frequentes ou de longa duração podem provocar.
Com o tratamento adequado, os pacientes epilépticos podem levar uma vida produtiva e normal.
Uma pergunta frequente dos pacientes epilépticos é relacionada à sua capacidade para dirigir veículos automotores. A legislação brasileira estipula que o paciente tem que estar sem nenhuma crise convulsiva por pelo menos doze meses para poder solicitar no Detran sua liberação para conduzir. Mesmo assim, cada caso é analisado individualmente em relação aos medicamentos usados e o acompanhamento médico periódico.
Grandes personalidades da história sofreram deste mal, entre elas podemos citar o imperador romano Julio César, Van Gogh, Dom Pedro I, Machado de Assís, Joana D’Arc, Gustave Flaubert entre outros.
O caso mais interessante e conhecido talvez seja o do escritor russo Fiodor Dostoievski. Ele era portador de Epilepsia do Lobo Temporal, que se manifesta por crises em que o paciente não perde a consciência, porém tem a sensação de estar num lugar diferente com estranhas sensações sensoriais conhecidas como “déjà vu”.
Dostoievski fez a descrição das suas crises em correspondência com amigos e familiares. Também as retratou em obras com personagens com epilepsia, como Smierdiákov no famoso romance Os Irmãos Karamazov, uma verdadeira obra-prima.
No dia 26 de março se celebra o dia mundial da conscientização sobre a Epilepsia. Há ainda muito a fazer para ajudar os pacientes epilépticos que precisam de acompanhamento e tratamento medicamentoso ou cirúrgico.
Há dois meses a Associação Brasileira de Epilepsia lançou uma campanha para exigir que não aconteça falta de nenhum dos medicamentos aprovados para o tratamento de epilepsia no sistema único de saúde. Na grande maioria dos casos as crises epilépticas podem ser controladas com o uso de um único medicamento.
No dia 26, junte-se à campanha do dia mundial da conscientização sobre a epilepsia vestindo alguma peça de roupa da cor roxa, é uma forma de mostrar empatia e apoiar a ideia de “Epilepsia sem preconceitos”.