“Durante muitos dias estive completamente alucinado como em Arles, se não pior, e é de presumir que estas crises ainda voltarão no futuro; é abominável”.
A frase anterior foi escrita pelo genial pintor Vincent Van Gogh para seu irmão Théo e é uma constatação de que Vincent era plenamente consciente do mal que perturbava sua vida. Embora na época muitos acreditassem que era “louco”, na verdade Vincent era portador do que hoje em dia conhecemos como Transtorno Bipolar.
Apesar de termos avançado bastante na forma em que atualmente lidamos com as doenças mentais, ainda há muito para progredir e melhorar. O dia 30 de março é considerado pela OMS como o Dia Mundial do Transtorno Bipolar no intuito de conscientizar a sociedade e diminuir o estigma e a discriminação que os portadores deste transtorno sofrem.
O dia escolhido foi justamente o dia do natalício do Van Gogh, nascido nesta data, 30 de março de 1853.
Ciente das frequentes alterações do humor de Vincent, seu irmão mais novo Théo se torna seu protetor e financiador. Mais que irmãos, foram amigos íntimos, inseparáveis e de uma lealdade exemplar.
Muito do que conhecemos sobre as alterações do humor de Van Gogh, seus períodos depressivos, suas crises maníacas, seus estados de apatia, se devem à extensa correspondência que os irmãos trocaram na época em que Vincent se estabelece no povoado de Arles (França), em busca da luz do sol e da natureza como inspiração para seus quadros.
O Transtorno Bipolar é muitas vezes banalizado no imaginário popular. Por causa disso, as pessoas rotulam como “bipolar” os conhecidos que de vez em quando estão com seu humor alterado, seja irritado, desanimado ou ansioso. Com certeza essas pessoas não são portadoras deste transtorno.
Além disso não existem pessoas bipolares, existem pessoas portadoras de transtorno bipolar, que em alguns momentos se encontram acometidos por crises sejam depressivas ou de mania (euforia, agitação).
Existem mais de uma dezena de variantes de Transtorno Bipolar, sendo que, em geral, a característica principal são períodos de depressão que podem se alternar com fases chamadas de mania ou hipomania, nas quais o paciente fica agitado, eufórico, hiperativo, com insônia e até com alucinações.
Muitos avanços tem acontecido nas últimas décadas na compreensão do Transtorno Bipolar. Há quatro décadas, enquanto cursava a cátedra de psiquiatria durante o curso de medicina, nosso livro texto era o Manual de Psiquiatria do grande especialista da área Dr. Henry Ey. Na edição de 1978 (quinta edição), o transtorno bipolar é chamado de “psicose periódica maníaco-depressiva”, isso significa que durante varias décadas este transtorno do humor estava incluído no grupo das psicoses (loucura).
Hoje em dia sabemos que o Transtorno Bipolar não tem nenhuma relação com o grupo das psicoses. Sendo que existe um componente genético importante como causa do Transtorno Bipolar, pois frequentemente pacientes com histórico familiar da doença relatam que antepassados seus ficaram internados longos períodos em hospitais psiquiátricos, geralmente por serem considerados psicóticos.
Tipicamente os sintomas se manifestam ao fim da adolescência até o fim da terceira década de vida, alguns pacientes já demostram sintomas depressivos ainda na infância.
A OMS calcula que entre 2% a 3% da população mundial é portadora desta doença, sendo no mundo existiriam ao redor de 160 milhões de pacientes com transtorno bipolar. Aqui no Brasil são mais de 4 milhões.
Embora seja uma doença crônica, tem tratamentos que permitem o controle dos sintomas. A combinação de tratamento farmacológico e psicoterapia (terapia cognitiva comportamental por exemplo) tem se mostrado eficaz para proporcionar uma boa qualidade de vida aos portadores do Transtorno Bipolar.
Há uma série de fatores que fazem que muitos pacientes rejeitem o tratamento, quando isso acontece o risco de crises frequentes (depressivas ou maníacas) e de suicídio aumenta significativamente.
O transtorno bipolar é uma das principais causas de suicídio no mundo. Pesquisas mostram que a maioria dos pacientes com Transtorno Bipolar que cometeram suicídio tinham abandonado seu tratamento ou faziam o tratamento apenas parcialmente.
Aqui no Brasil o Centro de Valorização de Vida (CVV) que oferece apoio emocional e suporte telefónico ou por chat imediato a quem se encontra em situação de risco suicida, tem desempenhado um papel importante na tarefa de tentar diminuir a incidência de suicídios no país. O número a ser discado é o 188 e pela internet pode ser acessado na página www.cvv.org.br, que oferece bate-papo imediato dando suporte a pessoas em risco de suicídio com total sigilo.
Não está demais lembrar que manter um estilo de vida saudável com alimentação equilibrada, atividade física regular, equilíbrio entre trabalho e lazer, horas de sono preservadas, evitar o consumo de álcool e drogas, é fundamental para obter sucesso no tratamento.
Em 1890, aos 37 anos de vida, Vincent Van Gogh falece dois dias depois de ter realizado um disparo de revólver no seu peito. Dessa forma acabou com suas frequentes crises maníaco-depressivas que provocavam intenso sofrimento.
É paradoxal que esse gênio das artes tenha conseguido vender apenas um de seus quadros em vida e por valor irrisório. Em 1990, cem anos após sua morte e, de forma irônica, para quem viveu uma vida inteira com dificuldades financeiras, um quadro de Van Gogh foi vendido pelo preço recorde de 82 milhões de dólares.
Diz a lenda que esse quadro foi cremado em 1996 junto ao seu dono o milionário japonês Ryoei Saito. Como dizia Nelson Rodrigues: “a vida como ela é e não deveria de ser”.