Na segunda-feira, a imprensa do Brasil e do mundo noticiaram os resultados de um estudo de fase III com um novo medicamento contra a Doença de Alzheimer (DA).

A Doença de Alzheimer, o tipo de demência mais comum, tem aumentado em números absolutos à medida que a expectativa de vida da população também progride.

Isto acontece porque justamente o principal fator de risco para o aparecimento do Alzheimer é a idade. Apenas 0,16% das pessoas entre os 65 e 69 anos tem a doença, enquanto que na população com idade superior a 85 anos a prevalência supera os 23%, quase um de cada quatro idosos.

É bem conhecido que acontecem dois fenômenos nos cérebros dos pacientes com DA, o acúmulo de uma proteína chamada de beta-amiloide entre os neurônios e a presença de emaranhados neurofibrilares de proteína tau no interior dos neurônios.

Na verdade, até hoje não está claro se a presença destas proteínas são causa ou consequência da doença. Vale lembrar que cérebros de idosos sem demência também podem conter grande quantidade de placas de beta-amiloide e de emaranhados neurofibrilares.

Estima-se que no Brasil existam mais de 1.200.000 pessoas portadoras de Doença de Alzheimer e no mundo todo mais de 50 milhões. Se calcula que em 8 anos teremos cerca de 75 milhões de pessoas com a doença.

Todos os que convivem com parentes e amigos portadores de Alzheimer sabem que a doença é uma verdadeira tragédia, ao longo dos meses o paciente vai perdendo suas funções cognitivas sendo que a mais significativa é a incapacidade de lembrar fatos recentes, com o passar do tempo vai perdendo também as memórias passadas ao ponto de não se reconhecer ele próprio.

Presenciar esse deterioro é muito angustiante e triste para todas as famílias sendo que a partir da fase intermediária os pacientes precisam supervisão e a ajuda de terceiros para realizar as atividades básicas do dia a dia.

Sendo assim, a busca por uma cura e/ou medicamentos que consigam diminuir o avanço da doença tem sido uma constante nas últimas décadas.

O surgimento das terapias usando os chamados anticorpos monoclonais específicos para cada doença (já usados em doenças como esclerose múltipla, artrite reumatoide, câncer, etc) tem sido o caminho que aparentemente pode levar a deter a progressão que caracteriza a Doença de Alzheimer.

O último medicamento usado no tratamento da DA data de 2003, é a Memantina, porém tanto ela como os outros medicamentos utilizados no tratamento até hoje não conseguem modificar o curso natural da doença, o avanço para o deterioro cognitivo progressivo.

Na verdade chama a atenção o alvoroço que o surgimento da nova droga chamada Donanemab tem causado na imprensa, digo isso porque duas drogas da mesma categoria (anticorpos monoclonais) foram aprovadas pelo FDA norte americano, elas são o Aducanumab aprovado em julho de 2021 e o Lecanemab aprovado em janeiro deste ano.

O uso de Aducanumab tem provocado muitas controvérsias nos Estados Unidos, principalmente pelo fato de que mesmo diminuindo os depósitos de beta-amiloide não há melhoras clínicas significativas nos pacientes.

O estudo de fase III com Donanemab avaliou 1736 pacientes em estágio inicial de DA com idades entre 60 e 85 anos, metade recebeu placebo e metade recebeu o medicamento por infusão endovenosa uma vez ao mês.

A progressão da doença medida pelo desempenho nas atividades do dia a dia foi reduzida em cerca de 30% dos pacientes, quando aplicado a um grupo específico com início bem recente da doença esse índice sobe para 40%.

Assim como o Aducanumab, a nova droga consegue diminuir as placas de amiloide no cérebro, essa medição é feita através de exame específico de neuroimagem (PETscan).

O Donanemab não está isento de efeitos colaterais incluindo alguns graves como microhemorragias e inchaço cerebral, é necessário o acompanhamento periódico com exames de imagem.

Outro grande obstáculo para seu uso radica nos altos custos, o Adacanumab custa ao redor de 50.000 dólares ao ano nos Estados Unidos, o Lecanemab ao redor de 27.000 dólares e ainda se desconhece o preço do novo medicamento, dificilmente será inferior a estes valores.

Não podemos esquecer que a maioria dos pacientes desenvolvem anticorpos contra o medicamento após 3 meses de uso, isso faz pensar que com o tempo o medicamento pode ir perdendo sua eficácia em diminuir as placas de beta-amiloide.

Os especialistas em políticas públicas acreditam que o custo-benefício em termos de saúde pública e uso em grande escala de estes medicamentos fica longe do ideal.

De qualquer forma estas descobertas deixariam feliz ao descobridor da Doença de Alzheimer, o médico Alois Alzheimer que em 1906 estudou o cérebro da sua paciente Auguste Deter, descreveu a atrofia do córtex cerebral, as placas e os emaranhados sem saber do que se tratava.

Alzheimer faleceu em 1915 com apenas 51 anos de idade, antes de morrer estudou o cérebro de outros quatro pacientes com achados similares.

Alzheimer foi um pioneiro ao relacionar o estado físico do cérebro ao comportamento numa época em que toda alteração de comportamento era vinculada a problemas psicológicos e emocionais.

Familiares de pacientes me interrogam sobre o novo medicamento, eu entendo, a doença de seus seres queridos avança inexoravelmente, explico que é cedo para ter a certeza dos benefícios e dos efeitos colaterais.

Há que lembrar que até agora os pacientes estudados tinham Alzheimer em estágio inicial, não sabemos ainda o efeito da medicação em estágios mais avançados da doença, infelizmente no nosso meio a grande maioria dos pacientes é diagnosticada quando a doença já passou sua fase inicial.

São necessários novos estudos clínicos randomizados com pacientes em diferentes estágios e a aprovação de outras agências de medicamentos como a europeia (EMA) e a própria Anvisa e não menos importante a redução do preço.

Se o surgimento do Donanemab vai se transformar num ponto de inflexão no tratamento da doença de Alzheimer não sabemos, torço para que assim seja mas desconfio que não será.

Enquanto isso lembro a frase de meu bom professor de farmacologia: “ nunca seja dos primeiros a prescrever um medicamento novo e tampouco dos últimos em prescrever um medicamento antigo”.