A FANTÁSTICA HISTÓRIA DA ASPIRINA
Claramente: o mais prático dos sóis,
O sol de um comprimido de aspirina:
De emprego fácil, portátil e barato,
Compacto de sol na lápide sucinta.
Principalmente porque, sol artificial,
que nada limita a funcionar de dia,
que a noite não expulsa cada noite,
sol imune ás leis da meteorologia,
a toda hora que se necessita dele
levanta e vem (sempre num claro dia):
acende, para secar a aniagem da alma,
quará-la, em linhos de um meio-dia.
Os versos citados fazem parte da poesia “Num Monumento à Aspirina” do famoso escritor pernambucano João Cabral de Melo Neto.
Resulta no mínimo curioso que o poeta tenha criado um poema dedicado a um medicamento, porém existe uma explicação para a escolha do poeta.
João Cabral de Melo Neto foi durante toda sua vida um portador de Enxaqueca, os episódios de dor de cabeça precedidos de alterações visuais e seguidos de náuseas perturbavam seus dias.
Foi então que João percebeu que a popular Aspirina conseguia aliviar seu sofrimento, ele virou um usuário diário do medicamento, chegou a declarar que em determinadas épocas usava mais de dez comprimidos ao dia.
Evidentemente não é a maneira correta de usar um analgésico, mas João tinha uma vantagem em relação à maioria dos mortais, uma mucosa gástrica altamente resistente e não era portador de nenhuma outra doença que contraindicasse o uso da aspirina.
Aspirina como todos sabem é o nome comercial do Ácido Acetilsalicílico (popular AAS).
Este medicamento, o primeiro a ser amplamente comercializado no mundo todo é também um dos mais utilizados até a atualidade.
Se durante muitas décadas se usava apenas por suas propriedades analgésicas, antitérmicas e anti-inflamatórias, nas últimas décadas milhares de pessoas passaram usar o acido acetilsalicílico devido à sua propriedade de inibir a agregação das plaquetas (componente do sangue necessário para a coagulação) e dessa forma dificultando a formação de coágulos.
Poções ricas em ácido salicílico preparadas da casca do salgueiro eram utilizadas por muitas tribos de indígenas norte-americanos para tratar a febre, também há relatos do seu uso no antigo Egito.
A casca do salgueiro era muito apreciada pelo mundo mediterrâneo primitivo. Hipócrates, no século IV antes de Cristo, já reconhecia suas propriedades para aliviar a dor e diminuir a febre.
No fim do século II, Galeno descreveu com detalhes todos os poderes medicinais dos salicilatos. Infelizmente, com a queda de Roma, se perdeu toda a terapêutica herbácea para a maioria do mundo ocidental. Esse conhecimento da medicina botânica conseguiu sobreviver apenas como uso doméstico nas cozinhas dos camponeses.
No século XVIII, um sacerdote e naturalista inglês chamado Edward Stone redescobre a utilização dos extratos de salgueiro como agente medicinal. Na época de Stone, o antipirético mais usado era obtido da cinchona ou casca peruana (quinina), devido à alta procura esta planta começou a ficar escassa e cara.
Stone imaginou que da casca de salgueiro poderia se obter algum composto semelhante já que também tinha um gosto amargo muito forte ao igual que a cinchona; após comprovar seus efeitos analgésicos e contra a febre, publicou seus resultados e popularizou seu uso como medicamento.
No ano 1926, os químicos italianos Fontana e Brignatelli identificaram o princípio ativo da casca do salgueiro. Em 1829 o francês Henri Leroux consegue isolar esse principio ativo da casca do salgueiro que era a salicina e, em 1938, o italiano Rafaelle Piria realiza a extração do ácido salicílico.
Devido à extração química ser muito cara, o seu uso ficou muito restrito. Até que, em 1874, o químico Hermann Kolbe, da Universidade de Leipzi, descobre um processo econômico para a produção sintética de ácido salicílico. Podemos afirmar que foi o primeiro medicamento sintético que podia ser fabricado em grande escala.
Embora um excelente analgésico e antipirético, o ácido salicílico tinha muitos efeitos colaterais, provocando com frequência náuseas, vômitos e até torpor e coma.
Para tornar esse composto menos tóxico era necessário um agente neutralizador. Até então era desconhecido que o químico alsaciano Charles von Gerhardt encontrara o ácido acetilsalicílico em 1953, sua descoberta não foi usada terapeuticamente na época.
A descoberta da utilidade clínica do ácido acetilsalicílico coube ao jovem químico pesquisador do laboratório Friedriech Bayer & Company, de nome Felix Hoffmann.
Hoffmann utiliza o acido acetilsalicílico no seu pai portador de artrite reumatoide e percebe sua eficácia no controle da dor e da inflamação. Ele apresenta seus estudos ao chefe de pesquisas da Bayer, o químico Heinrich Dresser, e foi ele que deu o nome de Aspirina. “A” de ácetico, “spir” do nome cientifico do salgueiro spiraea ulmaria e “in” um sufixo comum em medicamentos da época, lançada oficialmente em 1899.
Produzem-se 40 mil toneladas de ácido acetilsalicílico todo ano e, embora nos últimos anos seu uso como preventivo para eventos cardiovasculares em pessoas sem antecedentes não é mais recomendado, seu uso na prevenção secundária (em quem já teve isquemia cardíaca ou cerebral) é bem estabelecido.
Embora seja um medicamento de venda livre, é bom consultar ao seu médico antes de seu uso, lembrando que entre as principais complicações estão os sangramentos gástricos. Seu uso não é recomendado em crianças menores de 12 anos.
Tive um professor adepto do uso da aspirina por ser portador de terríveis enxaquecas. Quando indagado se prescrevia o medicamento como analgésico para seus pacientes respondia: “receito menos do que deveria, nenhum paciente gosta de ir num médico que prescreve aspirina!”