Nas últimas semanas o aparecimento de várias mortes devido a um surto de febre maculosa brasileira na região de Campinas-SP tomou conta do noticiário nacional. Até o momento são 17 o número de casos que estiveram num evento numa fazenda no interior, sendo que já houve quatro mortes. É compreensível que a população fique em estado de alerta com notícias deste tipo.
Atendo muitos pacientes da zona rural dos municípios vizinhos e alguns deles me indagam se há a possibilidade de essa doença se manifestar em nossa região.
A febre maculosa é produzida por uma bactéria da espécie Rickettsia, no caso de Campinas é a Riketssia rickettsii, essa bactéria entra no organismo pela picada de uma das espécies de carrapato (carrapato-estrela), que tem que ficar grudado na pele por um período de várias horas para poder transmitir a doença.
Os sintomas mais frequentes são febre, dor de cabeça, náuseas e vômitos, dor abdominal, diarreia, dores musculares, inchaço e vermelhidão em varias partes do corpo. A vermelhidão nas palmas das mãos e solas dos pés podem servir como um alerta para pensar na possibilidade de febre maculosa.
Evidentemente o histórico de haver estado em região rural ou em contato com animais como cavalos, bois ou mesmo não domesticados, como as capivaras, é muito importante para que o profissional de saúde possa incluir a possibilidade de febre maculosa no diagnóstico diferencial de um quadro febril.
Morando num país de clima quente durante meus anos de formação em medicina pude vivenciar e atender muitos pacientes vítimas de doenças infecciosas de todo tipo. Toda doença infecciosa origina um embate entre o agente causador (seja, vírus, bactéria, fungo, parasita) e o sistema imunológico do afetado. Se o paciente por algum motivo tem alguma deficiência imunológica, as possibilidades de sucesso para vencer a infecção diminuem de forma considerável.
Tive o infortúnio de presenciar como um paciente de 20 anos de idade, atleta de alto rendimento sucumbiu em poucas horas, vítima de Meningococcemia (infecção generalizada pela bactéria Neisseria Meningitides).
Até o mais potente dos antibióticos não será de muita ajuda se o paciente não dispõe de um sistema imunológico íntegro e saudável. Os carrapatos podem ser hóspedes de vários microorganismos que provocam doenças em humanos e animais.
Lembro que anos atrás atendi um jardineiro que sofria há vários meses de dores e perda de força nas pernas acompanhadas de uma erupção avermelhada, tinha realizado vários tratamentos sem sucesso. Os testes deram positivos para borreliose (Doença de Lyme) provocada pela bactéria Borrelia burgdorferi e transmitida por carrapatos, com o tratamento específico o paciente conseguiu se recuperar.
Em Santa Catarina até a semana passada tinham sido reportadas 18 pessoas com febre maculosa no ano de 2023. Os casos catarinenses têm um quadro clínico mais leve provavelmente porque a Rickettsia parkeri detectada na região é menos agressiva.
Na região de Campinas tudo indica que o agente causador seja a Rickettsia rickettsi que pode provocar doença grave. É provável que muitos casos catarinenses não cheguem a ser diagnosticados por tratar-se de um quadro febril de poucos dias de duração que pode ser confundido com uma simples virose.
Desses 18 casos catarinenses, cinco aconteceram na região de Blumenau e um em Canelinha, municípios bem próximos ao nosso. Não existe transmissão direta entre humanos e a recomendação para quem trabalha em áreas rurais onde pode ter a presença de carrapatos é o uso de proteção com botas de cano alto, roupas que cubram o corpo todo, de preferência de cores claras que possam facilitar a presença dos carrapatos.
No ano passado foram 41 casos confirmados de febre maculosa e se considerarmos os últimos 10 anos são 419 casos no total, uma média anual de 42 casos. Portanto essa doença existe em nosso estado, embora de forma esporádica e com quadro clínico mais leve. Não podemos descartar que casos graves levando ao óbito possam ter acontecido sem que tenha sido possível confirmar o diagnóstico.
Todo cuidado é pouco e não é uma boa ideia ficar muito perto das lindas capivaras que habitam as margens do Itajaí-mirim. A febre maculosa tem tratamento e cura, porém é importante iniciar o mesmo quanto antes, preferencialmente até cinco dias após o início dos sintomas.
Nas últimas semanas as Unidades de Terapia Intensiva de Santa Catarina estão com alto índice de ocupação devido ao aumento dos casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave e de Dengue, é mais um motivo para procurar atendimento médico precocemente e não permitir o agravamento dos sintomas dessas doenças infecciosas.