No dia 4 de julho de 1992, após uma agonia de 23 meses, falecia aos 71 anos de idade num hospital de Buenos Aires um dos maiores compositores musicais que já nasceram por estas latitudes, Astor Pantaleón Piazzolla, vítima de um acidente vascular cerebral trombótico que o deixou em coma durante esse longo período.
As doenças cerebrovasculares, assim como as cardiovasculares, têm uma estreita relação com a presença da chamada “pressão alta” na linguagem popular ou hipertensão arterial sistémica para os médicos.
Se estima que ao redor de 80% de todos os acidentes vasculares cerebrais (AVC) ocorrem em pacientes hipertensos e mais de 40% das cardiopatias isquêmicas também.
A Sociedade Brasileira de Hipertensão determina que uma pessoa sofre de Hipertensão Arterial quando sistematicamente tem valores iguais ou superiores a 14 por 9 (140/90 mm Hg). Pessoas com pressões de 13 por 8,5 já são consideradas pré-hipertensos e devem ser monitorados.
Os parâmetros atuais para determinar a pressão arterial normal estão mais exigentes e embora pressões entre 12 a 12,9 de sistólica e 8 a 8,4 de diastólica (a sistólica corresponde ao momento da contração do coração e a diastólica ao momento em que relaxa a musculatura cardíaca) sejam consideradas normais, atualmente consideramos como ótima pressões ainda abaixo da tradicional 12 por 8 (120/80 mm Hg).
O aparelho de medir pressão (esfigmomanómetro) foi inventado por el médico austríaco Samuel Karl Von Basch em 1881 porém foi somente em 1896 com as adaptações do médico italiano Scipione Riva-Rocci que nasce o aparelho com o manguito de insuflação que se popularizou por todo o mundo, este aparelho media apenas a pressão sistólica.
Foi somente em 1905 que o médico russo Nikolai Korotkoff introduz o uso do estetoscópio sobre artéria braquial, método que permite identificar através dos chamados “ruídos de Korotkoff” tanto a pressão sistólica quanto a diastólica.
Temos portanto menos de 120 anos de uso amplo do “aparelho de pressão”, hoje em dia existe a versão digital que tem muita utilidade para o controle doméstico da pressão arterial, recomendasse sempre o uso do aparelho com o manguito de pressão no braço e não no pulso. Atualmente existem aparelhos que se conectam ao celular através de um aplicativo e isso é de muita utilidade tanto como seguimento quanto para monitorização a distância principalmente da população idosa.
Estima-se que ao redor de 25% da população brasileira sofre de hipertensão arterial, apenas uma minoria desses pacientes tem sua pressão bem controlada com uso de medicamentos e alterações na sua rotina de vida em relação à alimentação saudável e prática de atividade física.
A maioria não segue as medidas farmacológicas e não farmacológicas necessárias para controlar sua pressão arterial.
Em 2019 o pesquisador Vasilis Kontis do Imperial College publicou uma análise propondo que apenas três intervenções de saúde pública poderiam salvar 94 milhões de vidas nos próximos 25 anos, as intervenções visam justamente um melhor controle da pressão arterial nas pessoas hipertensas.
As intervenções seriam aumentar o acesso ao tratamento para 70% dos hipertensos, reduzir a ingestão de sódio em 30% e eliminar a ingesta de gordura trans artificial.
A este respeito devemos lembrar que pouco mais da metade dos hipertensos sabem do seu diagnóstico e apenas 30% dos que estão em tratamento seguem todas as recomendações médicas.
A OMS recomenda que o consumo de sódio não seja superior a 2 gramas por dia (isso equivale a 5 gramas de sal), a média global de ingestão de sódio está entre 9 a 12 gramas. Se considera que esta alta ingestão provoca isoladamente 2,3 milhões de mortes por ano no mundo.
É necessário que no Brasil se apliquem advertências mais explicitas e diferenciadas nas embalagens dos alimentos industrializados no relacionado aos teores de sal, gordura e carbohidratos; já existentes em muitos países estas advertências ajudam muito ao consumidor na hora de fazer suas escolhas no supermercado.
A hipertensão arterial junto à obesidade, diabetes e doença cardiovascular são os quatro principais fatores de risco para o agravamento do quadro clínico de pacientes com Covid-19, entre os quatro a hipertensão tem sido a comorbidade mais frequente.
A hipertensão é também um importante fator de risco para doença cardiovascular, o que inclui doença coronariana, insuficiência cardíaca, derrame, infarto de miocárdio e doença renal crônica, ao mesmo tempo é o fator de risco mais fácil de controlar ou prevenir.
Em termos gerais de morbilidade(doença) e mortalidade a hipertensão arterial é o mais importante fator de risco que realmente pode ser modificado com as intervenções adequadas. Por isso a grande importância de levar este diagnóstico a sério e seguir à risca as recomendações médicas tanto para sua prevenção como para seu tratamento.
Resulta paradoxal que Astor Piazzolla, autor de obras tão belas como “Adios Nonino” e “Libertango” e que tanta alegria proporcionou com suas composições à humanidade, tenha vivido um verdadeiro via crucis nos seus dois últimos anos de vida.
Todos os que já viveram situações semelhantes com familiares sabem a tragédia que é cuidar de uma vítima de um derrame principalmente quando o mesmo compromete a consciência.
Podemos diminuir muito essa possibilidade se cuidarmos bem da nossa pressão arterial e adotamos hábitos de vida saudáveis.