A música e o cérebro
Ao longo das últimas décadas, a medicina tem reconhecido o importante papel da música na recuperação e reabilitação de pacientes acometidos por diferentes doenças.
A capacidade de apreciar e produzir música na sua mais alta expressão é apenas humana.
Apesar de décadas de avanços no conhecimento das funções cerebrais, ainda é motivo de controvérsias entre os pesquisadores se nossos antepassados desenvolveram primeiro a linguagem ou a capacidade de produzir música, mesmo sendo de forma elementar como uma batida rítmica das palmas da mão ou de pedras.
A música além de uma atividade artística é também uma forma de linguagem, uma maneira de comunicar, evocar e expressar nossas emoções e conseguir despertar emoções em quem escuta.
A maior parte do processamento musical no cérebro se faz por vias e circuitos neurais diferentes daqueles do processamento da linguagem. Por este motivo, ocasionalmente, existem pacientes que podem perder suas habilidades musicais e preservar a fala e outros que podem perder a fala e manter suas habilidades musicais.
Além de precisar da integridade de ouvidos externo, médio, interno, nervos auditivo e núcleos auditivos no tronco cerebral, podemos dizer que a audição de música implica dois processos: um de percepção e outro de interpretação.
A parte interpretativa não tem uma única localização específica, embora se concentre no córtex dos lobos temporais.
A capacidade de percepção musical é maior no hemisfério cerebral direito que no hemisfério cerebral esquerdo.
Já no começo do século XX os anatomistas descreveram que o córtex cerebral auditivo no lobo temporal direito de músicos profissionais tem um volume maior que no resto das pessoas.
As habilidades musicais estão muito determinadas pela genética, quase todos conhecemos núcleos familiares que são pródigos em bons músicos.
Chama a atenção que existam pessoas que não conseguem diferenciar nenhum tom musical, essa deficiência é chamada de amusia. Quem tem amusia não consegue ter prazer de escutar nenhum tipo de música.
No outro extremo temos as pessoas que tem o chamado “ouvido absoluto”, são pessoas que conseguem identificar e nomear nota por nota de qualquer música que estiver escutando. Ao redor de uma em cada 10 mil pessoas tem ouvido absoluto.
Se quase sempre a nossa música preferida nos proporciona prazer ao ser escutada, existe uma condição clínica chamada de epilepsia musicogênica, que se caracteriza pelo aparecimento de crises convulsivas ao escutar determinado tipo de música ou de ritmo musical.
Os músicos sofrem estresse psíquico, síndromes de dor crônico e transtornos motores tipo distonia numa frequência maior que a população geral.
Paradoxalmente muitos músicos famosos sofreram doenças neurológicas, muitos desses casos estão relatados na bela obra “Música e Neurologia”, escrita pelo neurologista espanhol Josep Martí e Vilalta.
Podemos citar casos como o de Maurice Ravel (1875-1937), autor do famoso “Bolero”, que na vida adulta foi perdendo progressivamente a fala (afasia), porém mantinha as habilidades musicais de interpretação e análise, embora não conseguisse mais escrever música. A música ficou retida nele.
O genial Ludwig Van Beethoven (1770-1827) foi acometido por uma surdez neurosensorial progressiva aos 28 anos de idade. Aos 44 anos mal conseguia conversar com amigos e, aos 54 anos, quando foi a estreia da sua Nona Sinfonía, já estava completamente surdo.
O compositor checo-austíaco Gustav Mahler (1860-1911) sofreu desde a adolescência de crises de enxaquecas severas e perdeu muitos dias de trabalho por isso, numa época em que não existia nenhum tratamento eficaz para controlar ou diminuir essas dores.
George Gershwin (1898-1937), o grande compositor norte-americano, que faleceu aos 39 anos de vida, foi acometido por crises convulsivas um ano antes da sua morte. Ele foi diagnosticado com epilepsia do lobo temporal provocada por um tumor cerebral extremamente agressivo (glioblastoma multiforme), não resistiu ao procedimento cirúrgico de remoção do mesmo.
O famoso compositor austríaco Joseph Haydn (1732-1809) sofreu um quadro de demência de provável causa vascular nos últimos dez anos de vida. Por causa da demência parou de compor e teve suas funções motoras muito comprometidas.
Há centenas de relatos sobre as relações da música com as emoções e com o cérebro. Para os interessados, recomendo a leitura do livro “Alucinações Musicais”, do prolífico neurologista e escritor inglês Oliver Sacks.
A música talvez seja a única forma de linguagem que todos entendemos sem necessidade de um aprendizado, é um excelente refúgio para um cérebro cansado ou atormentado.
Talvez não exista nada mais eficaz que escutar uma playlist pessoal para diminuir o estresse e se distanciar um pouco dos problemas cotidianos.