O aumento de consumo dos “tarja preta”
Os medicamentos tarja preta são aqueles que têm atividade sobre o sistema nervoso central; a grande maioria é composta por depressores ou inibidores (calmantes e hipnóticos), e alguns são do tipo estimulantes (como o metilfenidato). Todos os medicamentos tarja preta têm como uma de suas características o poder de provocar dependência química e psíquica.
Ao longo dos anos, o uso desses medicamentos tem aumentado significativamente, e seu consumo disparou durante a pandemia.
Embora não haja números atualizados, estima-se que mais de 8% dos brasileiros adultos usem diariamente algum medicamento tarja preta; quando considerada apenas a população acima dos 60 anos, a percentagem aumenta para 20%.
Todos os calmantes e hipnóticos (remédios usados no tratamento da insônia), benzodiazepínicos, podem provocar sintomas de abstinência ao suspender seu uso subitamente, desenvolver tolerância (necessidade de doses maiores conforme o tempo de uso) e causar dependência química e psíquica.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem alertado para o aumento da prevalência de transtornos mentais crônicos, como a depressão, ansiedade e pânico.
Os benzodiazepínicos têm se mostrado muito eficazes no controle inicial das crises ansiosas e de pânico. No entanto, seu uso prolongado não é recomendado por não possuírem atividade curativa, sendo apenas sintomáticos. Ou seja, controlam os sintomas e não o transtorno propriamente dito.
Devido a essa característica de alívio quase imediato, os pacientes têm a tendência de prolongar o uso dos medicamentos calmantes por meio da automedicação. Com frequência na prática clínica, observamos pacientes que relatam estar ingerindo medicamentos tarja preta por 10 ou 20 anos sem acompanhamento médico.
Uma vez estabelecida a dependência química e psíquica, a retirada desses medicamentos se torna difícil. Podemos afirmar que a dependência de calmantes é o tipo mais frequente de dependência química de drogas consideradas lícitas.
Os efeitos colaterais do uso de benzodiazepínicos são frequentes, porém muito subestimados. Por serem drogas depressoras do cérebro, frequentemente diminuem o grau de alerta e a capacidade de atenção, concentração, raciocínio e memorização.
Em pacientes idosos, acabam interferindo no desempenho motor e podem ser responsáveis por quedas que, com frequência, resultam em fraturas ósseas.
Os calmantes benzodiazepínicos atuam aumentando o efeito do ácido gama-aminobutírico, que é o principal neurotransmissor inibidor; dessa forma, nosso corpo fica menos sensível a estímulos internos e externos.
Nas últimas décadas, os seres humanos têm estado cada vez mais expostos a estímulos de todo tipo; vivemos na era da hiperconectividade. Assim como ficamos sabendo de qualquer evento significativo, quase imediatamente, também, sentimos a necessidade de resolver problemas com a mesma rapidez.
As pessoas têm cada vez menos tempo para o lazer, a prática de atividades físicas e o sono. Então, conseguir tempo e recursos para iniciar uma psicoterapia parece impossível, e a solução mais rápida e fácil é apelar para o tratamento medicamentoso.
Ao agir dessa forma, muitos entram em uma cilada da qual terão muita dificuldade para sair, e muitos preferem o aparente conforto de usar medicamentos tarja preta diariamente por anos a fio.
Dados da Associação Médica Brasileira mostram que cerca de 40% dos usuários crônicos de benzodiazepínicos iniciaram seu uso como tratamento para insônia. O que deveria ser um uso a curto prazo, até adotar outras estratégias comportamentais que melhorem o sono, acaba se transformando em um tratamento de longo prazo e na subsequente adição química e psíquica.
Antes mesmo da pandemia, o Brasil já era considerado o país mais ansioso do mundo pela OMS. Cerca de 9,3% dos brasileiros sofriam de ansiedade, e é provável que a pandemia tenha aumentado essa percentagem, resultando em mais de 20 milhões de brasileiros portadores de transtorno de ansiedade generalizada.
Ao longo da história, os seres humanos sempre procuraram algum elixir para acalmar suas mentes. São inúmeros os relatos de civilizações antigas e povos aborígenes que usavam poções com o intuito de provocar tranquilidade ou euforia.
Ainda nos séculos 18, 19 e 20, foram utilizados xaropes à base de morfina, gotas e pastilhas de cocaína, gotas de heroína, cigarros de cânhamo (maconha) e bebidas alcoólicas como tratamento para a ansiedade.
Somente a partir da década de 1960 é que surgiram os primeiros benzodiazepínicos no mercado (clordiazepóxido). A partir desse momento, acreditávamos ter encontrado a solução para nossas angústias. No entanto, hoje sabemos que isso não é verdade.
Se o leitor estiver se automedicando com remédios tarja preta, sugiro que procure um médico de confiança. Ele será capaz de fornecer orientações para a diminuição progressiva desses medicamentos e sua substituição, quando necessário.