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O Nobel de Medicina 2023, Houssay e nossa cientista brusquense

Podemos afirmar que para quem gosta de ciências o anúncio dos premiados pela Academia Sueca de Ciências a cada ano equivale ao que para um amante de futebol significa acompanhar a final da taça Libertadores.

Embora as premiações em outras áreas como o Nobel de Literatura ou até o Nobel da Paz possam vir acompanhadas de alguma interferência política e até cultural, nas áreas científicas isto é um pouco menos evidente.

É verdade que já existiram certas injustiças, uma das mais conhecidas é o fato de que a cientista Rosalind Franklin não tivesse recebido junto com James Watson e Francis Crick o Nobel de Medicina de 1962. 

A dupla Watson-Crick recebeu o prêmio por ter desvendado a estrutura em hélice do DNA. Rosalind foi a primeira a visualizar essa disposição geométrica. 

A Academia Sueca nunca fez um reconhecimento oficial deste fato embora saibamos que Rosalind tinha falecido prematuramente de câncer em 1958.

Neste ano os ganhadores foram os cientistas Katalin Karikó e Drew Weissman.

Katalin é uma bioquímica húngara enquanto Drew é um imunologista norteamericano.

Os dois se conheceram na Universidade de Pennsylvania (EUA) e associaram esforços na pesquisa para possíveis aplicações terapêuticas usando o RNA mensageiro como intermediário.

Katalin trabalha com a estrutura do RNA mensageiro desde o ano de 1982, são mais de quatro décadas dedicadas ao assunto.

A persistência valeu muito a pena, não somente por ter recebido o Nobel e sim por ter ajudado a humanidade a controlar a pandemia de Covid-19.

Os dois pesquisadores estavam com dificuldades de obter recursos para suas pesquisas dentro da Universidade e decidiram criar uma empresa, a Biontech, angariando investidores que confiaram nas grandes possibilidades dessa tecnologia.

Todas as células do nosso corpo carregam no seu núcleo o DNA com nosso genoma completo (genoma é o conjunto de toda a informação genética de um organismo) porém para executar os comandos necessários para fabricar proteínas e outras ações metabólicas o DNA precisa fazer uma cópia de um pedaço de si próprio que vai executar esse comando, essa cópia é a que denominamos de RNA mensageiro. 

Esse RNA vai interagir com certas estruturas celulares (ribossomos) para fabricar proteínas, por exemplo.

Os laureados com o Nobel vinham trabalhando há mais de duas décadas com o propósito de usar o RNA como intermediário para estimular nosso sistema imune a produzir anticorpos, originalmente um tipo de vacina contra a gripe.

A grande dificuldade inicial foi que a molécula de RNA é sumamente instável, sobrevive por poucos segundos, então o grande descobrimento inicial foi modificar essa molécula  para que não seja destruída tão rapidamente. 

Conseguir este avanço foi o “pulo do gato” para que essa tecnologia possa ser empregada na fabricação de vacinas.

Quis o destino que já com essa tecnologia dominada aparecesse a epidemia da Covid-19, como o genoma completo do vírus Sars Cov-2 foi mapeado em apenas 42 dias num trabalho conjunto de vários institutos de pesquisa, os pesquisadores poderiam usar diversas partes desse genoma viral para induzir uma resposta imunológica no organismo de quem recebesse uma vacina com essa tecnologia. 

Cientes do grande potencial terapêutico desse descobrimento, a Pfizer fez uma parceria com a Biontech e daí surgiu a vacina de mRNA da Pfizer que foi fundamental para conter o avanço da pandemia de Covid-19. 

O outro grande fabricante que investiu nessa tecnologia foi o laboratório Moderna que também fabricou uma vacina de mRNA.

Como podem deduzir este tipo de vacina, em nada altera o DNA de ninguém que a receba. 

As vacinas de mRNA fazem com que as nossas  células  fabriquem  proteínas da envoltura do vírus Sars Cov-2. 

Nosso sistema imunológico  reconhece essa proteína como estranha e desenvolve anticorpos contra o vírus.

Podemos perceber que se bem a intuição e até a sorte podem ser aliados nas descobertas científicas isso se acontece após décadas de muito estudo e dedicação.

Katalin e Drew comentaram como fato anedótico que durante anos ficavam conversando e discutindo possibilidades até a madrugada embalados pela coincidência de ambos sofrerem de insônia.

Katalin é apenas a décima terceira mulher a receber o prêmio Nobel de Medicina.

Abaixo da linha do equador já tivemos um prêmio Nobel de Medicina, se trata do argentino Bernardo Houssay, galardoado em 1947.

O Dr. Houssay deu uma contribuição indireta para a ciência brasileira já que um de seus colaboradores, o Dr. Miguel Rolando Covian foi o criador do laboratório de Neurofisiologia da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, provavelmente o grupo mais destacado de pesquisadores nesta área no Brasil. 

O Dr. Covian  foi um pioneiro nas pesquisas sobre a relação cérebro-mente ainda na década de 1960.

Não podemos esquecer que uma importante pesquisadora desse grupo de neurofisiologistas é a professora e pesquisadora Anette Hoffmann, natural de Brusque e pertencente a uma tradicional família da nossa cidade.

A Dra. Anette tem toda uma vida dedicada à vida acadêmica e à pesquisa científica, tem centenas de trabalhos científicos publicados em revistas nacionais e internacionais. 

Além da sua produção acadêmica, a Dra. Annete é uma grande incentivadora da preservação ambiental, é proprietária da reserva particular de patrimônio natural conhecida como Chácara Edith, localizada na região do parque das esculturas e que realiza um ótimo trabalho em educação ambiental.

Ela é também amante das artes principalmente da pintura e ainda tem se destacado como Diretora do Centro de Memória e Museu Histórico da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto.

Nosso município deve se orgulhar do talento e dedicação dessa filha ilustre a quem devemos muitas homenagens.

Conhecer a trajetória académica e científica desta grande pesquisadora  pode servir de inspiração para as crianças e jovens da nossa cidade que tenham interesse pela ciência. 

Como diz a Dra. Katalin, se você é curioso então tem tudo para ser um bom cientista.