Sobre Dengue, vacinas e anti-vacina
O Ministério da Saúde informa que este ano enfrentaremos uma nova epidemia de Dengue, o número de casos vem aumentando de forma preocupante chegando atualmente perto de meio milhão e mais de 70 mortes. Esses números são 250% maiores que os do ano passado no mesmo período.
Especialistas afirmam que superaremos os quatro milhões de casos este ano com um grande aumento nos meses de abril e maio. A OMS alerta que a proliferação do Dengue no mundo todo, exceto a Europa, configura um estado de emergência.
A onda de calor dos últimos meses, explicada pelo fenômeno “El Niño” associado ao aquecimento global, explica essa proliferação do mosquito e a propagação de doenças.
A Dengue é uma doença viral transmitida pelo mosquito Aedes Aegypti, esse mosquito se multiplica em alta velocidade em reservatórios de água parada. Seus sintomas principais são a febre, dores no corpo, dores de cabeça, náuseas, vômitos, diarreia e fraqueza.
Isso significa que o quadro clínico é semelhante ao de outras doenças virais com a diferença que na Dengue os sintomas são de maior intensidade e que há uma percentagem de casos que podem evoluir para formas graves que exigem internação e tratamento especializado. As dores da Dengue são de tal intensidade que a doença também tem sido chamada de febre quebra-ossos.
Não existe tratamento específico, apenas tratamento dos sintomas e das complicações.
Nos últimos anos duas vacinas contra a Dengue tem sido aprovadas, uma delas a Qdenga do laboratório Takeda foi aprovada pela Anvisa e está sendo aplicada em crianças de 10 a 14 anos dos estados mais atingidos pela epidemia. A vacina é aplicada em duas doses com intervalo de 3 meses.
Essa vacina ainda não tem comprovação de eficácia e segurança em maiores de 60 anos, ainda se espera resultados de estudos nessa faixa etária.
A vacina será útil para diminuir o número de casos graves de Dengue nessa população jovem. O Brasil tem sido o primeiro país do mundo a incluir a vacina da Dengue na rede pública de saúde.
Outra noticia positiva é o fato que existe uma vacina brasileira, a Butantan-DV em fase 2 e 3 de estudos clínicos. A impressão inicial é que essa vacina tem eficácia superior às já existentes no mercado.
Existem 4 sorotipos de vírus da dengue e sabemos que após um caso de dengue há proteção contra todos os sorotipos por um período de 6 meses, após isso a pessoa começa a ficar desprotegida contra os sorotipos de dengue diferentes ao do que provocou a doença. Passados 2 anos do quadro de dengue, desaparece essa susceptibilidade para ter formas graves de dengue.
Conhecer o sorotipo de dengue que circula durante os surtos em cada cidade ou região é muito importante para o planejamento de medidas sanitárias no futuro, sempre que começa a circular um novo sorotipo aumenta a possibilidade de formas graves da doença e de óbitos.
Paradoxalmente essa queda de proteção contra as outras variantes vai acompanhada de uma “facilitação” da infeção pelo novo sorotipo e é por causa disso que aumenta o risco de ter uma forma grave de Dengue, aquela que antigamente era chamada de “dengue hemorrágica”.
A ocorrência de outras doenças concomitantes como diabetes, obesidade, imunodeficiências e cardiopatias podem agravar o quadro de dengue.
Lembremos que um dos fatores que favorecem o agravamento da Dengue é o fato que essa infecção aumenta a permeabilidade dos vasos sanguíneos, dessa forma o sangue circulante perde volume, o coração não consegue mais bombear o sangue para todos os tecidos e os órgãos podem entrar em falência.
Os pacientes me perguntam se devem se vacinar contra a dengue, a minha resposta é que se já teve dengue e tem condições de pagar o custo da vacina vale a pena o investimento, se além disso existe alguma comorbidade é mais um motivo para aplicar a vacina.
Há necessidade de que as pessoas evitem manter reservatórios de água parada nas suas casas e quintais, esse engajamento da comunidade deve ser intenso e contínuo, eliminar os reservatórios onde se multiplicam os mosquitos traz benefício para toda a comunidade.
Para estimular o engajamento da população, poderíamos organizar os jogos comunitários da Dengue onde o bairro vencedor seria aquele com menos casos da doença e a premiação poderia ser melhorias na estrutura da Unidade Básica de Saúde do bairro.
Acredito muito nas boas lideranças comunitárias que com seu trabalho e dedicação conseguem melhorar a vida dos moradores e desconfio de gestores públicos que desprezam as evidências científicas na tentativa de fidelizar seus votantes.
Resulta surpreendente o fato que nas últimas semanas várias dezenas de prefeitos e alguns governadores têm emitido decretos nos quais dispensam a apresentação da carteira de vacinação aos estudantes da rede pública e privada no ato da matrícula escolar.
Na maioria dos estados, o Ministério Público tem comunicado que essas normas são ilegais e que violam regras de competência constitucional.
Essa associação entre saúde e escola como meio de reforçar medidas sanitárias tem sido uma das principais estratégias pelas quais o Brasil virou referência mundial em vacinação.