A cada ano há muita expectativa para saber que será ganhador do Prêmio Nobel de Medicina. Neste ano, a Academia Sueca decidiu premiar o biólogo sueco Svante Pääbo, especialista em genética evolucionária.
Svante tem tradição de cientistas na sua família. Sua mãe é química e seu pai foi ganhador do Nobel de Medicina em 1982.
Ao premiar as pesquisas sobre genética da evolução, a Academia Sueca reconhece a grande importância que tem o ser humano conhecer suas origens e, provavelmente, conhecer seu futuro como espécie em constante evolução.
Pääbo é considerado um dos fundadores da paleogenómica ou paleogenética, disciplina que usa a genética para estudar os primeiros humanos e outras populações da pré-história.
Sua primeira pesquisa de grande importância foi o descobrimento do gen da linguagem FoxP2. Esse gen está ausente ou parcialmente inativo em pacientes que tem uma condição chamada apraxia da linguagem. São pessoas com extrema dificuldade para desenvolver a fala.
Ele estudou inicialmente o DNA de múmias egípcias, porém pouco tempo depois se dedicou ao grande projeto da sua vida: estudar o DNA dos primeiros humanos e populações da pré-história.
Em 2009, Pääbo e sua equipe publicam um esboço do genoma completo do homem de Neandertal, uma espécie que teve convívio com os sapiens.
A partir de seus descobrimentos hoje sabemos que houve miscigenação entre sapiens e neandertais cerca de 55 mil anos atrás. Hoje em dia carregamos um percentual pequeno de genes neandertais (1-2%).
Durante a pandemia de Covid-19, descobriu-se que pessoas que tinham determinados genes do cromossomo 3 tinham um risco maior de apresentar quadros graves da doença, posteriormente se descobriu que pessoas que tinham certos genes do cromossomo 12, de origem neandertal, apresentavam uma resposta imunológica mais eficiente contra Sars-Cov2.
Lembremos que os neandertais é a espécie de hominídeos de maior sucesso sobre a terra, se considerarmos que viveram por mais de 300 mil anos. Isso é algo que os sapiens ainda estão longe de atingir.
Se o aquecimento global continuar aumentando na proporção atual, provavelmente não haverá tempo hábil para que nossa espécie consiga criar mecanismos adaptativos e, portanto, não teria como atingir a marca dos neandertais.
Em 2010, Pääbo e colegas publicam um trabalho sobre o DNA de um osso achado nas cavernas de Denisova na Sibéria. Os resultados sugerem que o osso pertencia a um membro extinto do gênero homo, que foi denominado homem de Denisova.
Tudo indica que os denisovanos se misturaram tanto com os sapiens quanto com os neandertais. Populações atuais do sudeste asiático e aborígenes australianos carregam porções de DNA denisovano.
Como os avanços da genética molecular, hoje em dia vários laboratórios oferecem testes de ancestralidade a partir do DNA extraído de células da mucosa da cavidade oral. Esses laboratórios têm um banco de dados de etnias de até 8-10 gerações anteriores, dessa forma a pessoa consegue saber de onde vieram seus antepassados.
A maioria das pessoas fica surpresa ao receber os resultados, porque eles são muito diferentes do que imaginavam. A partir do conhecimento da paleogenética podemos afirmar que o conceito comum aplicado a existência de “raças” é totalmente errado, vários especialistas argumentam que o conceito tradicional de ”raça” pode ser aplicado apenas aos habitantes de 10 mil anos atrás.
Outro grande nome da paleogenética é o pesquisador americano David Reich, que tem trabalhos em conjunto com o recente ganhador do Nobel. O livro dele, “Quem somos e como chegamos até aqui”, é uma ótima introdução a essa nova área da paleogenética.
Resulta maravilhoso que Pääbo e colegas tenham conseguido identificar o genoma de duas raças de hominídeos a partir de escassos ossos de mais de 40 mil anos de existência. Deve-se a ele o refinamento das técnicas de sequenciamento de DNA em peças onde esse material biológico está muito degradado e sofre a ação de bactérias e fungos.
No seu livro “O Homem de Neandertal”, Pääbo relata que só foi possível obter material ósseo em condições de ser pesquisado pelo fato de que os neandertais praticavam a antropofagia. Isso ajudou que houvesse menos decomposição por bactérias e fungos desse material.
A vida de um pesquisador não é o conto de fadas que muitos idealizam, a batalha é árdua, um verdadeiro sacerdócio. Pääbo começa sua vida universitária estudando egiptologia, no meio da faculdade decide estudar medicina e posteriormente se dedica à genética molecular. Os estudos para conseguir ser um especialista em genética paleontológica levam em média 7 anos, não é pouca coisa, é uma vida inteira dedicada a tentar encontrar verdades do passado a partir de amostras contaminadas de DNA.
Pääbo, que tem 67 anos, ocupa o cargo de Diretor do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva desde 1997, o instituto fica em Leipzig, Alemanha.
O prêmio é mais do que merecido. Com certeza, nos próximos anos Svante Pääbo voltará a nos cativar com novas e maravilhosas descobertas sobre nossos antepassados.