Duo A Corda em Si realiza apresentação no escuro e desperta, além da audição, a imaginação do espectador

Apresentação do duo aconteceu na sexta-feira, no auditório do IFC, e integra programação do aniversário de Brusque

Duo A Corda em Si realiza apresentação no escuro e desperta, além da audição, a imaginação do espectador

Apresentação do duo aconteceu na sexta-feira, no auditório do IFC, e integra programação do aniversário de Brusque

Com as mãos nos ombros uns dos outros, grupos de pessoas adentram o auditório do Instituto Federal Catarinense (IFC). A sala está escura e todos precisam se guiar apenas pelo tato e pela audição: a visão está, para muitos dos presentes, temporariamente inibida. Vendados, todos chegam aos seus lugares com a ajuda de monitores, deficientes visuais que se responsabilizam pela locomoção da plateia dentro do auditório.

Já acomodados, vem então o nervosismo de, de repente, perder um dos sentidos. Há quem se sinta inseguro e permaneça em silêncio, com medo de que qualquer movimento resulte em desastre, e há quem tente esquecer a falta da visão com um pouco de humor e conversas com as pessoas ao redor.

Um certo tempo – talvez cinco minutos, talvez quinze – se passa até que todos tenham tomado seus lugares. Os “shhh” começam a ecoar e uma voz anuncia a chegada dos músicos responsáveis pela noite, do duo florianopolitano A Corda em Si: Fernanda Rosa, com uma voz poderosa, e Mateus Costa que, com muita sensibilidade, toca o contrabaixo.

Toda a apresentação é realizada no escuro, com apoio de audiodescrição ao vivo. No início, o público fica conhecendo a sala – cores, tamanho, todos os detalhes do auditório – pela voz que narra o show. Pode então conhecer a aparência de Fernanda e de Mateus, as roupas que estão usando, porém, sem enxergar nada.

Entre sambas, blues e canções folclóricas, o duo interage com a plateia e convida todos para fazer parte do show, seja indo até o palco para tocar e descrever os instrumentos ou batendo palmas e colaborando com a percussão.

Os dois utilizam, além do contrabaixo, outros instrumentos, como o tamborim, o caxixe e até mesmo brinquedos de borracha emprestados do filho, que preenchem a sala com sons e harmonias. O casal, entre as canções, conta histórias que inspiraram as composições, momentos de sua própria história.

A audiodescrição permite que a plateia saiba quando o casal agradece os aplausos, quando se abaixam para tomar água, quando uma bailarina entra no palco e faz sua coreografia. A plateia ouve também quando os muitos coelhos que estão junto do casal se tornam um mar de leite, que escoa por um alçapão no palco até que fique seco – momento inspirado por uma passagem do livro “Ensaio sobre a cegueira”, de José Saramago.

“O mundo é muito mais do que a visão”, diz Fernanda, deficiente audiovisual de baixa visão, no bate-papo que os músicos realizaram após a apresentação. “Se tiver um copo d’água numa mesa e você não falar isso para o cego, ele nunca vai saber. Se você disser que tem, tem. O que você sente e imagina é real, pois você viveu.”

Mateus, também deficiente visual, brinca que é “farol apagado”. “Tudo o que é descrito ao cego vira uma imagem mental, e ela pode ser mais verdadeira do que a cena que os videntes enxergam”, diz. E, para dividir essa experiência, o casal iniciou o projeto LivreMente, com shows feitos todas no escuro, despertando os outros sentidos e também a imaginação de quem vivencia a apresentação.

Conheça o duo:

Proposta de inclusão
Pela quarta vez em Brusque, o duo A Corda em Si se apresentou no IFC na noite de sexta-feira, 3. O show integra a programação comemorativa do aniversário da cidade, celebrado em 4 de agosto.

O show LivreMente, que tem apoio cultural do governo do Estado e foi selecionado pelo edital Elisabete Anderle de 2017, traz uma proposta de acessibilidade, inclusão e empatia. No momento em que a plateia adentra o auditório, cada pessoa recebe uma venda e é guiada até os assentos por monitores – que são deficientes visuais – e pelas marcações táteis instaladas pela equipe previamente.

De acordo com os músicos, foi necessária cerca de uma hora e meia para fixar as cordas no chão, possibilitando que as pessoas pudessem se localizar através dos pés. Além disso, todo o show é acompanhado pela audiodescrição, recurso utilizado para que deficientes visuais possam também “ver” o que acontece à sua frente.

O que acontece na apresentação de Fernanda e Mateus é que todos estão em pé de igualdade: ambos os músicos são deficientes visuais e a plateia, vendada, abdica do sentido da visão durante os cinquenta minutos de show.

Equipe faz a adaptação dos espaços onde se apresenta para que haja acessibilidade | Natália Huf

Quase dez anos de parceria
A parceria do casal começou ainda na faculdade, quando cursavam Música na Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), em Florianópolis. Integrantes do coral, Mateus e Fernanda foram apresentados por colegas e, como ambos conheciam as situações enfrentadas no dia a dia do deficiente visual, não demorou para que se entendessem. Mas não foi apenas essa semelhança que uniu os dois.

“A Fernanda foi a primeira cantora que topou essa ideia do contrabaixo acústico e voz”, conta Mateus, que já queria experimentar esse formato e linguagem musical. “Como não tem outros sons ‘brigando’, qualquer desafinação aparece, é uma linguagem bem desafiadora. As letras e a voz ‘saltam’ muito, já que o contrabaixo tem um som bem mais grave.”

O contraste entre o agudo e o grave, os arranjos das músicas, tudo é resultado de um trabalho que já dura quase dez anos. Para que a coisa funcione, segundo Mateus, o segredo é a empatia, a negociação e o “vibrar junto”, algo que ele e Fernanda fazem com facilidade. “Se eu toco uma nota mais baixa, ela já conserta na voz, e vice versa.” O duo voz e contrabaixo é uma formação um tanto incomum: há poucas referências tanto no Brasil quanto no exterior.

O casal brinca que, quando tocam uma música, ela conta uma história e ele desenha através do som. Para isso, precisam de uma interpretação única, e é nisso que ambos trabalham constantemente. “Tivemos que acreditar, para chegar até aqui e desenvolver essa linguagem foi muita insistência”, diz o contrabaixista.

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