Editorial: A copa dos indecisos
Começou oficialmente a Copa do Mundo 2018 e a empolgação, tão presente em outras edições do evento, ainda não apareceu. O desinteresse pela Copa deste ano é um dos piores desde a competição de 1994 e atinge 53% do país, segundo pesquisa Datafolha divulgada no início desta semana. O comércio também não anda lá tão otimista. […]
Começou oficialmente a Copa do Mundo 2018 e a empolgação, tão presente em outras edições do evento, ainda não apareceu. O desinteresse pela Copa deste ano é um dos piores desde a competição de 1994 e atinge 53% do país, segundo pesquisa Datafolha divulgada no início desta semana.
O comércio também não anda lá tão otimista. Enquanto na Copa do Mundo de 2014, realizada no Brasil, 50,1% das famílias do país demonstraram interesse em comprar itens relacionados com o Mundial de futebol, este ano, com os jogos marcados para a Rússia, o percentual caiu para 24%. Os dados são da pesquisa que a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) divulgou na segunda feira, 11.
Este fenômeno está sendo atribuído à crise econômica e política que estamos atravessando. A paralisação dos caminhoneiros, que acabamos de passar, também contribuiu para quebrar o clima pré-copa que estávamos acostumados a ver.
Mas será que este ambiente não é o resultado de misturar demais futebol com política?
Sabemos que este subterfúgio já foi muito usado por aqui. Um dos episódios mais emblemáticos foi na Copa do México, quando o Brasil conquistou o tricampeonato.
O então general linha dura Emilio Garrastazú Médici explorou ao máximo a conquista da seleção, aliando a imagem de força e vitória contrapondo o radicalismo e censura utilizados por ele para manter a ditadura ativa do Brasil, no melhor estilo de usar o futebol como o ópio do povo.
Outra coincidência neste sentido é que desde 1994 as eleições para presidente acontecem no mesmo ano que as Copas. Porém, ao contrário do que parece, não há uma correlação perceptível entre sucesso ou fracasso da seleção com vitória ou derrota na eleição.
O mesmo movimento que nos faz ir à rua comemorar uma vitória do Brasil pode nos levar à rua para tirar um presidente
Talvez, por entender que a fórmula não vinha funcionando a contento, tentou-se um movimento mais ousado: sediar a própria Copa. Assim, em 2014 o governo petista seria capaz de mostrar sua eficiência ao mundo e vender um Brasil potência, capitaneando assim o sucesso para as urnas.
Como sabemos, Dilma Rousseff se reelegeu mesmo com a derrota do Brasil, e sua vitória não perdurou quando seu governo começou a ruir. Talvez este seja mais um indicador que o efeito deste ópio está perdendo a força.
Mais do que a indignação de perder por 7 x 1 da Alemanha, o Brasil ficou indignado em saber a farra que foi feita com o dinheiro público, que o endividou e contribuiu para colocá-lo nesta crise.
Talvez por isso há um misto de sentimentos que, ao invés de unir o povo no seu ponto de convergência que é a torcida pela seleção, divide opiniões.
Uns querem fazer panelaço durante os jogos, outros torcem para que ganhe, outros estão indiferentes. Estes grupos trazem a herança de ver misturado um esporte tão popular e tão identificado ao brasileiro com a política. O próprio Tite, em entrevista à revista Isto É, em abril deste ano, fez o alerta para não se atrelar o futebol à política.
Ele pode estar certo. Não precisamos transpor para o esporte as mesmas divisões que temos na política, nem precisamos ter um complexo de inferioridade querendo que o Brasil se dê mal. Torcer pela nossa seleção não precisa afetar nosso espirito crítico nem nossas convicções.
Não estamos mais numa ditadura impondo pão e circo. Sabemos o custo do pão e não temos mais somente o circo futebol. A um clique acessamos a Netflix, HBO, ou um dos 200, 300 canais de nossa TV.
Também não estamos mais sob a égide da censura ou do monopólio da comunicação. Podemos saber por um site russo como foi o jogo do Brasil, ou trocar mensagens com movimentos sociais para protestar contra qualquer coisa.
O Brasil vai jogar no próximo domingo e até lá talvez o clima mude. Podemos decidir torcer sem medo de ser felizes, e nos alegrar com a conquista, afinal, somos todos brasileiros.
Porém, não vamos perder de vista tudo o que acontece por aqui. O mesmo movimento que nos faz ir à rua comemorar uma vitória do Brasil pode nos levar à rua para tirar um presidente, ou para protestar contra o aumento do combustível. Cada coisa no seu momento e no seu lugar. É hora de torcer, pra frente Brasil!