Editorial: A herança da vereança
Nesta quinta-feira, 12, o jornal O Município publicou reportagem sobre os 135 anos de fundação da Câmara de Vereadores de Brusque. Numa das passagens a matéria diz que em 1822 os monarcas continuaram com as câmaras municipais e sua função era representar o poder central, com funções até mesmo de resolver querelas entre os moradores.
Mesmo que hoje cada poder tenha sua função bem definida, parece que esta herança de sobrepor competências e tentar resolver querelas ainda perdura. Mesmo passado tanto tempo, é raro a vereança se concentrar na sua atribuição atual que é fiscalizar e legislar.
Raro também são os fatos relevantes, como o noticiado no mês passado no jornal, na matéria sobre uma possível economia da prefeitura ao solicitar uma linha de crédito.
O fato foi levantado pelo vereador Marcos Deichmann (Patriotas) ao analisar um financiamento de R$ 5 milhões solicitado pela Prefeitura de Brusque para a compra de máquinas e softwares. No questionamento do vereador, o erário poderia economizar se utilizasse uma linha de crédito do BNDES ao invés do Banco do Brasil.
Independente do resultado do questionamento, este é o típico exemplo de como deve ser a postura de um vereador. O fato de ter fiscalizado a solicitação de empréstimo da prefeitura fez deste um ato puro da vereança, colocando uma lupa no assunto e enxergando uma possibilidade de economia de R$ 500 mil. Sem emoções partidárias ou manobras com intenção de boicotar o pleito.
Poderíamos até citar outras iniciativas de vereadores que são interessantes e convergem na sua missão, como rever contratos firmados pela prefeitura, análise de contas, e outros, mas nada que tenha um impacto maior, nada que empolgue ou tenha envergadura.
O mais comum é ver vereadores de Brusque e de outras cidades agindo de forma difusa à finalidade para a qual foram eleitos propondo homenagens, datas comemorativas, limpeza de boca de lobo, calçamento de rua, construção de creches e outros temas que não são ou não deveriam ser pauta.
Por mais que o eleitor confunda as atribuições de cada um, é dever do vereador informar o que pode ou não fazer, e não levar adiante o pleito de um cidadão para lhe agradar mesmo sabendo que não é de sua competência tal solicitação.
O que é ainda pior é levar estas reivindicações como pauta para a Câmara, para dar publicidade ao pedido e lavar as mãos perante o eleitor, afinal, a partir daquele momento é a prefeitura que não está executando o serviço, livrando a barra do edil.
Outra situação inusitada é quando o vereador desvia do Legislativo e propõe obras e serviços advindos de sua inspiração para serem executados. Daí a coisa fica estranha e podemos ver verdadeiros absurdos.
“Se nada for feito chegaremos ao fim do mandato com pouquíssimas leis que realmente são aplicáveis e que melhoraram a vida do cidadão”
Para se ter ideia do descolamento da atividade parlamentar à realidade em nossa cidade, basta ver o desempenho da última legislatura. Ao todo foram apresentados 350 projetos de leis, dos quais 314 foram aprovados e apenas 34 foram rejeitados durante os quatro anos. Dos 314 projetos que viraram leis, 232 referem-se a denominação de ruas ou espaços públicos e 17 dizem respeito a declaração de utilidade pública de entidades brusquenses.
Outros 15 projetos de lei estabeleceram datas comemorativas no âmbito municipal. O restante foram leis que o Observatório Social de Brusque (OSBr) considerou de maior relevância e que demandariam do poder Executivo algum tipo de ação. Examinando melhor este último bloco contabilizamos 30 projetos de leis mais importantes dos quais dois foram inconstitucionais, 13 não foram cumpridos, seis foram parcialmente cumpridos. Somente nove foram cumpridos. Vergonhoso.
Na mesma linha está caminhando esta legislatura, propondo as mesmas coisas e cometendo os mesmos erros. Se nada for feito chegaremos ao fim do mandato com pouquíssimas leis que realmente são aplicáveis e que melhoraram a vida do cidadão.
Seria um presente para Brusque se neste novo ano a Câmara de Vereadores pudesse proporcionar uma mudança de postura.
Romper com esta herança de propor penduricalhos, de querer resolver querelas e partir para algo inovador, atuando de forma eficiente na fiscalização e propondo projetos criativos e inovadores em relação a grandes demandas da cidade.
Aí sim teríamos uma vereança do tamanho que a Câmara e Brusque merecem. Ainda dá tempo.