Editorial: Já vi esse filme
Algumas das coisas que se repetem, ano após ano, são boas, interessantes, necessárias ou apenas divertidas. Carnaval, Páscoa, Natal, aniversários na família… Mas, para nosso espanto e decepção, há também repetições ruins, desnecessárias e tristes. Coisas que, se tivéssemos a cabeça no lugar e a noção exata da sua gravidade, trataríamos de evitar, com mudanças culturais simples, mas essenciais.
Dengue e febre amarela estão entre essas coisas que voltam todo ano a nos assombrar. E todos os anos este nosso O Município publica reportagens semelhantes, alertando para a necessidade de cuidar com as águas paradas nos quintais, jardins e mesmo apartamentos. Evitar a proliferação dos mosquitos nas áreas urbanas é um tema que reaparece com frequência. Assim como reaparecem as doenças transmitidas por mosquitos.
Isso nos faz pensar: onde estamos errando? Porque aparentemente não está ocorrendo a necessária mudança cultural, que evite o que pode ser evitado e nos deixe livres para enfrentar outros desafios.
Essas doenças são resultado de alguma coisa mais grave do que apenas deixar uma tampa de plástico com água parada num canto do quintal. Falta uma preocupação com o ambiente em que vivemos. Ou talvez a noção de que o ambiente em que uma pessoa vive é o mesmo ambiente em que todos vivemos. Não tem como se sentir seguro se todos não tiverem preocupações semelhantes e cuidarem do que é um patrimônio comum.
O ideal seria que uma nova visão de atenção e cuidado com o ambiente ficasse incorporada na cultura de todos, mais ou menos como ocorreu com o cinto de segurança
O ideal seria que uma nova visão de atenção e cuidado com o ambiente ficasse incorporada na cultura de todos, mais ou menos como ocorreu com o cinto de segurança. Hoje, a maioria dos motoristas, assim que entra no carro já coloca seu cinto, quase sem perceber, num gesto automático. Todos sabem que esse equipamento salva vidas, evita ferimentos que poderiam ser muito mais graves. E não é tão difícil de usar.
Manter o terreno limpo, notar onde a água empoça, evitar deixar lixo acumulado, dar destinação correta aos detritos e ao que não serve mais, não é coisa impossível, difícil ou complicada. É fácil de fazer, não toma muito tempo, mas exige consciência de que é coisa necessária e urgente.
E, assim como se espera da população a iniciativa e o interesse, é preciso cobrar dos administradores públicos igual comprometimento. Esforço para produzir e divulgar informações de boa qualidade, completas e fáceis de entender, ânimo para manter a população motivada e recursos (que nem sempre demandam mais dinheiro) para tratar adequadamente os resíduos. Não basta, de tempos em tempos, ou a cada novo ano, alertar, com um desânimo de quem parece estar funcionando no “automático”, de que é preciso tomar este e aquele cuidados. Essa é uma tarefa constante, até que se processe alguma mudança cultural que permita reduzir o tom e a intensidade.
E, por incrível que pareça, todos os anos volta também a constatação de que ainda existe quem não colabore com os agentes de endemias. Pagamos impostos justamente para ter serviços como esse, profissionais que nos ajudem a identificar os problemas e a evitar consequências. E aí, quando batem à nossa porta, resolvemos que não precisamos deles. Outro contrassenso que precisa ser enfrentado e modificado. Para o bem de todos.