Editorial: O efeito transparência da Pandemia
No editorial da semana passada falamos das incertezas e de aprendizagens que estamos tendo neste momento, mas outro fenômeno começa a ficar nítido nestes tempos de pandemia: a transparência. É como se a cortina do palco caísse e pudéssemos ver os bastidores do teatro com ele acontecendo.
Por mais que sejamos brasileiros e imaginamos como certas coisas funcionam, a epidemia, por ser um fato novo e por atingir nossa saúde, faz a sociedade toda se movimentar, mas sem o tempo necessário de dourar a pílula, deixando visível suas engrenagens.
Assim, o que era para ser um movimento orquestrado contra o coronavírus passa a ser a disputa pelos interesses pessoais e corporativos vistos de uma forma diferente, mas crua e sem maquiagem.
O ‘teatro” era para ser a preparação do país para a chegada da pandemia. O problema é que não foi só um teatro, a situação é real, e requer atitude concreta. Não é o combate a uma ideologia, ou a promessa de uma obra, ou a manipulação da informação, ou a disseminação de fake news que alimentam e segmentam grupos. É um vírus, uma moléstia que vai impactar tudo e todos.
Como não há uma rota de fuga convencional e o enfrentamento é necessário, as ideias divergem e os conflitos afloram. A começar pelo próprio entendimento do que é o problema. O próprio presidente num discurso diz que o corona é uma gripezinha e no outro (desta semana) entende que o problema é sério. Assim também é a relação com sua própria equipe de saúde, ora fortalecendo as orientações do ministro Mandetta, ora agindo no sentido contrário.
Como não há uma rota de fuga convencional e o enfrentamento é necessário, as ideias divergem e os conflitos afloram
A relação entre os poderes também entra em rota de colisão. Os governos federal, estadual e municipal deliberam de forma diferente em relação à reclusão social, de acordo com seus interesses defendem uma ou outra situação, aproveitando para marcar território e ganhar os holofotes.
Para aumentar a tensão o STF, Ministério Público, Ministério do Trabalho e outros poderes também metem a colher, acirrando o debate e criando uma disputa para saber quem tem poder para que. Assim estes embates restritos a negociações mais comedidas tornam-se explícitos, inclusive com torcida da população a favor deste ou daquele.
Outra preocupação é em relação ao impacto econômico que vamos sofrer. No âmbito federal, o ministro Paulo Guedes montou um plano de ajuda, com liberação de recursos ao cidadão, as empresas, aos estados e municípios. Mesmo enfrentando nossa tradicional burocracia, vem conseguindo avançar e dar esperança aos brasileiros com a aprovação, nesta semana, do benefício de R$ 600 e com a MP que reduz salários e jornada de trabalho.
Já no âmbito estadual, não foi apresentado até agora um planejamento. O governador estava mais focado nas lives diárias passando o boletim com número de mortos e contaminados e fazendo orientações, mas não apresentou, na prática, o que vai fazer em relação aos testes, ao atendimento e ao amparo a economia. Só nesta semana, depois de muita pressão, decidiu fazer um comitê com representantes da sociedade organizada para escutar as reivindicações.
Aqui em Brusque se vê uma mobilização para suprir estas deficiências. Empresas privadas, como a Latina Têxtil, estão disponibilizando material para confecção de máscaras. No poder municipal foi aberto o pronto socorro do Hospital Dom Joaquim para ampliar o atendimento. Também entidades têm participado ativamente na formulação de propostas e ações para fazer frente a este momento. Por aqui, como sempre, somos proativos e agimos sem esperar muito de outras instâncias.
Mas esta não é a realidade do Brasil. Ele, como o resto do mundo, não esperava esta pandemia e dentro de nossa filosofia do improviso teremos mais dificuldades. Assistimos atônitos, por exemplo, a falta de testes que cria a inusitada situação de poder ter mais contaminados do que a capacidade de confirmá-los. Como consequência, desde terça-feira, o governo e CNJ permitiram o sepultamento sem certidão de óbito, enterrando também o respeito a quem morreu.
É um momento único para vermos e refletirmos sobre nossos acertos e erros, sobre nossa organização ou falta dela e podermos repensar um país melhor pós-pandemia.