Editorial: O senador, o empresário e o bobo da corte
Desde o dia 23 de setembro quando o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB- AL) anunciou a convocação de Luciano Hang para depor, o fato tomou conta dos noticiários e das redes sociais.
O circo foi se armando e todos ficaram muito curiosos para saber como seria este confronto entre o empresário e os senadores. Luciano chegou a postar um vídeo com algemas na mão, afirmando que daria a chave para cada senador caso não aceitassem o que ele falaria.
Com toda esta expectativa, o dia do depoimento (29 de setembro) foi marcante para a história do Brasil, de Brusque. O grande contingente de repórteres que estavam no Congresso para cobertura do evento impressionou até os servidores mais antigos da casa. Todos a postos para o grande momento.
Com tanta atenção o “show” começou e durou mais de sete horas, marcado por uma série de ataques e interrupções. Os temas da oitiva foram os mais diversos como fake news, gabinete paralelo, tratamento precoce e se estendeu tratando da roupa que Hang usa, a morte de sua mãe, se tem aplicação em criptomoeda, e outras bizarrices.
Claro que diante de uma plateia repleta de repórteres a história foi contada a gosto de cada cliente, no Brasil inteiro, nos mais diversos meios e com muita audiência, inclusive batendo o recorde no YouTube no canal da TV Senado, que ultrapassou 1,5 milhão de visualizações.
O evento também serviu para mostrar o talento e criatividade dos políticos brasileiros em chamar a atenção. Eles viram na pandemia uma oportunidade perfeita para ser seu palco ao criar a única CPI no mundo sobre o tema. Claro que não estão afim de investigar os desvios e malfeitos, mas estão ávidos por aparecer na ribalta, exaltando suas bandeiras e inquirindo seus inimigos.
Só o fato de ter que se submeter ao inquérito e aguardar seu trâmite demonstra a prevalência do poder político sobre o econômico
Essa desvirtuação do objetivo não é ocasional, é proposital. E no caso em tela temos claramente o tratamento diferenciado entre o poder econômico e político. Mesmo que o primeiro possa comprar o mundo, o segundo tem a caneta, e pode transformar até o mais sórdido cidadão em autoridade capaz de exercer o poder da inquisição.
E para deixar clara a hierarquia entre estes poderes, o senador Renan Calheiros, já no início dos trabalhos, leu um texto em que chama Luciano Hang de bobo para lembrar que naquela corte ele é o rei.
Assim, mesmo que Luciano tenha tido uma boa performance e ganhado os aplausos dos expectadores, ele ainda está sob o domínio dos senadores até que termine a CPI e ele não seja indiciado.
É claro que a possibilidade de condenação de Luciano é remota, até porque não se conseguiu uma materialidade robusta para incriminá-lo, mas só o fato de ter que se submeter ao inquérito e aguardar seu trâmite demonstra a prevalência do poder político sobre o econômico, utilizando como personagem um empresário de sucesso.
A mensagem que se quer passar com o gesto é a de não ousar enfrentar o rei, seja ele pertencente ao poder legislativo, executivo ou judiciário. O cidadão comum e a classe empresarial devem sempre cumprir a lei e deixar estes intocáveis acima dela.
Talvez por isso Luciano tenha sido escolhido, por confrontar em suas postagens estas situações, de burocracia, privilégios e benesses e incorporar essa insatisfação comum da sociedade. Esse vai ser seu crime, ser o bobo que fala as bobagens que estes políticos praticam enquanto eles usufruem do poder e zombam de nós, cidadãos.