Editorial: A polarização e a ressurreição da censura
Na semana passada falamos no editorial sobre as singularidades desta eleição. Da participação de grandes empresários, do posicionamento de entidades, de manifestações políticas e da sociedade. Estas mudanças de comportamento têm como origem a grande polarização que esta eleição traz, dividindo o Brasil, as opiniões, e fazendo crescer a militância em ambos os lados. É […]
Na semana passada falamos no editorial sobre as singularidades desta eleição. Da participação de grandes empresários, do posicionamento de entidades, de manifestações políticas e da sociedade. Estas mudanças de comportamento têm como origem a grande polarização que esta eleição traz, dividindo o Brasil, as opiniões, e fazendo crescer a militância em ambos os lados.
É legítimo e democrático que cada um defenda seu lado e seu voto, mas dentro das regras de um jogo institucional, dentro da legalidade. Mas em um país como nosso, que tem uma instabilidade jurídica, é irresistível flexibilizar a regra do jogo, mudando conceitos ou arbitrando valores.
O caso da censura à emissora Jovem Pan é emblemático neste sentido, ao trazer à tona o fantasma da censura em pleno período eleitoral. Não se trata aqui da decisão em desfavor da empresa alegando “afirmações falsas, ofensivas e distorcidas feitas pelos comentaristas”, mas da parte que sentencia: “ Os representados se abstenham de promover novas inserções e manifestações sobre os fatos tratados nas representações apresentadas e acima detalhadas” (nas três ações que a emissora responde).
A decisão motivou a Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) a emitir nota afirmando que vê receio de interferência na programação das emissoras por parte do TSE. A iniciativa foi seguida também por outras entidades, entre elas a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e o Instituto Vladimir Herzog (IVH).
Mas a estranheza das atitudes do TSE não parou por aí, ele decidiu na semana passada uma resolução que permite ao presidente do tribunal retirar uma fake news se ela for idêntica a uma já julgada pelo TSE sem a necessidade de uma nova ação de partidos, do Ministério Público ou uma decisão judicial pedindo isso. A decisão motivou uma ação direta de inconstitucionalidade da PGR (Procuradoria Geral da República) contra o TSE na última sexta-feira, mas o STF negou nesta terça o pedido, mantendo este novo poder ao TSE.
O TSE tem usado a polarização como justificativa para invocar o poder moderador, utilizado quando o Brasil era uma monarquia, e este poder era atribuído ao rei, ficando acima dos outros três poderes
Outra questão polêmica foi em relação à fala do ex-ministro do STF Marco Aurélio, que seria veiculada em uma propaganda eleitoral de Bolsonaro. A frase dizia: “O Supremo não o inocentou [Lula]. O Supremo assentou a nulidade dos processos-crime, o que implica o retorno à fase anterior, à fase inicial”. A frase foi substituída por um QR Code que levava a um canal de tira dúvidas eleitoral em que se lia “suspenso por infração eleitoral”.
Estes casos não repercutiram só no Brasil, foram tema de agências internacionais de notícias como a BBC e Reuters, e de grandes jornais como o New York Times, falando da forma polêmica e agressiva do TSE nestes episódios.
A impressão que se tem é que o TSE tem usado a polarização como justificativa para invocar o poder moderador, utilizado quando o Brasil era uma monarquia, e este poder era atribuído ao rei, ficando acima dos outros três poderes.
Assim, o TSE se auto proclama o censor, a quem cabe decidir o que é falso ou verdadeiro, do que pode ou não ser dito, no caso da Jovem Pan. É soberano, para decidir que não precisa dos outros poderes para lhe propor uma ação, no caso da resolução das fake news. E tem uma unção divina, a ponto de mudar o tempo e reescrever a história, no caso de Lula.
Assim, às vésperas da eleição, o TSE muda as regras do jogo sob o pretexto de preservar a democracia, mas mexe em seus pilares, que é a liberdade de expressão e o respeito aos demais poderes, colocando em xeque a sua capacidade de praticar aquilo que prega.