Eleições e redes sociais: qual o limite entre a discussão e o crime?
Especialistas falam que debates são poucos eficientes para mudança de opinião
Os embates políticos nas redes sociais tem se acentuado conforme avança a disputa eleitoral. Os limites entre manifestações saudáveis e práticas criminosas com uso das ferramentas virtuais tem recebido atenção de juristas.
De acordo com o vice-presidente da OAB de Brusque, Eduardo Decker, a área ainda é nova para os profissionais brasileiros. “Primeiro a sociedade evolui e, depois, o direito corre para tentar regulamentar estas ações”.
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Na região, afirma desconhecer cursos voltados à especialização de advogados no campo. A diversidade de temas vinculados ao assunto é outro desafio.
Em artigo para o portal Consultor Jurídico, o juiz e professor da Universidade Federal de Santa Catarina, doutor Alexandre Morais da Rosa, comenta sobre os limites penais das publicações e interações nas redes sociais.
Curtidas e compartilhamentos
Ele destaca que os crimes já previstos na Legislação Federal, em especial, no Código Eleitoral, podem ser tipificados tomando como base publicações virtuais, curtidas e compartilhamentos. O regramento é o mesmo para atos contra minorias, já protegidas pela legislação.
Na avaliação dele, tomando como base decisões do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, o ato de curtir e replicar publicações não devem gerar responsabilização para quem não é o autor original das peças. Apesar de não poder ser indicada pelo regramento penal, destaca, os atos podem ter responsabilização na esfera civil.
“A luta sempre será pelo primado da liberdade de expressão plena. O uso consciente das redes sociais exige cuidados redobrados em tempos de fúria, ódio e emoções à flor da pele. Ainda mais quando se compartilha sem ler ou sem reflexão. Uma curtida pode incomodar muita gente, inclusive você”, afirma.
Distanciamento saudável
Na avaliação do coordenador do curso de Psicologia da Unifebe, Ademir Bernardino da Silva, os conflitos estão mais vinculados às dificuldades de lidar com as opiniões contrárias que necessariamente às redes sociais. Assim como nas relações familiares, destaca, é necessário manter um distanciamento suficiente para manter um bom relacionamento.
Com a radicalização dos debates entre os líderes políticos, o professor indica a tendência da adoção desta postura pela população. O movimento, afirma, faz parte de uma disputa por poder, onde ambos os lados querem demonstrar capacidade de convencimento superior.
Ele relaciona o uso massivo de fake news (notícias falsas) como parte deste ambiente. Com o histórico de troca de acusações acirradas, o coordenador indica a busca por argumentos que sustentem e reforcem os conceitos defendidos pessoalmente.
De acordo com ele, apesar dos conflitos, as exposições são positivas e demonstram a insatisfação com o contexto e busca por alternativas, em um período de transição de ideias. Na avaliação dele, o acirramento representa um “pedido de socorro”. “Está chegando a uma situação que a própria sociedade não aguenta viver neste ambiente de crise e quer sair dela. É um movimento interessante”.
Argumentação limitada
Para o analista de comportamento e pesquisa em Psicologia e professor da Unifebe, André Luiz Thieme, reverter opiniões em debates com o uso das redes sociais, sem os filtros e respostas do contato pessoal, é um processo difícil.
Ele classifica a interação como positiva, mas faz ressalva quanto a capacidade de humana de interpretar corretamente estas interações. “Talvez, não tenhamos esta habilidade de discussão tão clara quanto acreditávamos”.
A situação se agrava com o uso de textos e imagens pré-produzidos, sem influência do sentimento real no momento que a interação ocorre. Estatisticamente, afirma, manifestações de raiva e que gerem hesitação costumam gerar mais ativação fisiológica. “Temos acusações fortes de ambos os lados, que causam os mesmo pavor. Todas as discussões acabam sendo bastante acaloradas”.
O pesquisador destaca que a internet facilitou o contato entre pessoas com gostos semelhantes e a forma de interação é diferente em comparação com a pessoal. O motivo é a falta de barreiras presentes nas relações.
De acordo com ele, com o uso de algoritmos, se reforça a sensação de unanimidade de discurso e de agressividade nas manifestações contrárias. O comportamento, destaca, já fazia parte da rotina, mas ficava menos evidente. “O ser humano já tem uma pré-disposição de lidar não lidar bem com o diferente, de querer afastar”.
Entrevista
Leonardo Zanatta é advogado especialista em Direito Digital, palestrante, professor e consultor. Em entrevista por e-mail, ele esclareceu alguns pontos sobre o setor de atuação.
O Município – Este pleito tem sido marcado pela agressividade nos discursos e debates entre eleitores. Até que ponto estas acusações e ofensas pelas redes sociais podem ser classificados como crime?
Leonardo Zanatta – É importante frisarmos que apenas pode ser considerado crime a conduta antijurídica prevista no Código Penal ou em lei específica e que tenha sido fruto de dolo ou culpa e ação ou omissão. A troca de farpas em meio eletrônico com falsas alegações, imputações de responsabilidade, etc. Eventuais inconformidades ou efetivas agressões deverão ser analisadas, processadas e julgadas de acordo com o impacto que tais atos tenham causado nos interlocutores. Faz parte do jogo político o uso de dossiês e desinformação. Infelizmente foi normalizado esse tipo de comportamento!
O Município – Outro ponto muito criticado é relacionado à divulgação de informações falsas (fake news) e informações distorcidas. Estas práticas podem ser tipificadas ilegais?
Leonardo Zanatta – Existem pelo menos duas vertentes quando se fala em tipificar a produção de notícia falsa. Por um lado haveria uma tentativa de coibir a produção desse tipo de conteúdo e responsabilizar quem compartilha, divulga, difunde, potencializa e produz essa desinformação. Por outro lado haveria uma invasão do Estado na liberdade de expressão com o constante monitoramento/arbitrariedade do que é definido como fake news ou qual o interesse da vertente política no momento dessa análise.
O Município – Há alguma recomendação no direito sobre a atuação neste tipo de caso? Há algum movimento no mercado ou na academia sobre o tema?
Leonardo Zanatta – A melhor recomendação jurídica para esse tipo de situação é a de verificar fontes e lembrar que há responsabilidade no conteúdo repassado e trafegado. Já há julgados condenando administradores de grupos de WhatsApp e Facebook sobre a omissão em remoção imediata de conteúdo. A responsabilização por reter material dito ilícito (fotos, vídeos ou outras mídias) é objetiva, ou seja, o agente detentor ou vetor desse tipo de conteúdo é responsável direto por um vazamento de dados sensíveis ou pela veiculação. O mercado, em especial, trabalha no âmbito da conscientização e na imputação de Políticas de Privacidade e Termos de Uso para com os colaboradores diretos e indiretos no tangente ao uso, compartilhamento, tratamento e armazenamento de dados. É interessante que as empresas, nesse caso, adotem Políticas internas de regras para os colaboradores estarem cientes dos direitos e deveres nesse âmbito. A academia, por sua vez, está debruçada sobre a recente Lei de Proteção de Dados para entender de que forma ela poderá e será aplicada no caso concreto.
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O Município – Como é o processo de identificação deste tipo de caso, tendo em vista que redes como o WhatsApp são criptografadas? Quais as obstáculos que vê para a coibição deste tipo de situação no país?
Leonardo Zanatta – O fato da troca de mensagens ser criptografada só impacta em possível quebra de sigilo de dados ou de monitoramento. No tangente às ofensas perpetradas em meio eletrônico o usuário detentor do número que enviou a mensagem pode ser identificado a partir de uma solicitação formal da força Policial ou do Juízo competente. Para tanto é importante que seja registrado boletim de ocorrência e que seja lavrada uma Ata Notarial do constante na mensagem para fins de identificação e responsabilização do agente. O uso de telefones pré-pagos registrados com CPFs falsos ou de laranjas retardam a investigação e a identificação dos envolvidos.
O Município – Publicações podem nas redes podem ser utilizadas em processos jurídicos? Como casos de ameaças ou ofensas contra grupos minoritários, discriminação política ou brigas físicas?
Leonardo Zanatta – Podem e devem! Desde que respeitadas as regras de produção de provas. Para isso é importante contar com apoio especializado de um advogado para o correto preparo desse tipo de prova. Caso haja juntada simples de “prints” da tela eles podem ser facilmente refutados pela facilidade com a qual se manipulam fotos, vídeos, páginas e fatos na internet. Qualquer conteúdo que for relevante ou que tenha dado causa a uma injusta agressão poderá e deverá ser utilizado para validar os fatos narrados no boletim de ocorrência ou no processo judicial.