Empreendedores de Brusque buscam surpreender mercado com startups
Investidores contam sobre seus sucessos, dificuldades e desafios no modelo de negócio
O termo startup já se tornou comum no vocabulário do empreendedorismo e da economia do Brasil, depois da bolha formada pelas empresas de tecnologia da informação entre 1995 e 2000, com foco nos Estados Unidos. No lado brasileiro, o termo se popularizou de vez na segunda metade dos anos 2000.
Uma das definições mais aceitas é de que uma startup consiste em um grupo de pessoas à procura de um modelo de negócios que pode se repetir e se expandir, ainda em condições de incerteza sobre o futuro. E em Brusque, estes grupos existem e fornecem oportunidades para outras empresas e para o consumidor final.
Na prática, dificilmente uma startup consegue se manter neste status por muitos anos. A tendência positiva é a evolução para scale-up (aumento de escala), quando o modelo de negócios está consolidado e a empresa está pronta para crescer e procurar novos mercados. “Não é qualquer empresa que tem um modelo de negócios como a startup. O produto pode atingir uma escala global, mas a startup ainda não tem o seu mercado determinado”, explica o CEO da Code Money, Júnior Beltrão.
Aplicativo substitui cartões e dinheiro
A Code Money é uma startup brusquense que, com seu aplicativo de mesmo nome, busca substituir as máquinas de cartões de débito e crédito, com pagamentos feitos diretamente por meio do celular. “Não existe uma virada de chave para o nível scale-up, não é o mercado, mas sim o nível de maturidade, de crescimento da empresa a nível operacional”, afirma.
A startup foi fundada em 15 de setembro de 2015. Beltrão, à época com 27 anos, se uniu a dois sócios com um pensamento em comum: evitar os problemas com máquinas de cartões, como demoras, problemas de leitura e incompatibilidade com bandeiras. A origem do problema também vinha de suas vivências do outro lado do balcão, com os pais comerciantes, que enxergavam custos altos e suporte ineficiente das máquinas.
O produto funciona como uma “carteira digital”. O consumidor final baixa o aplicativo, o “carrega” com o valor desejado e depois o utiliza para compras nos estabelecimentos parceiros. Ao efetuar uma compra, os valores são transferidos. Funciona como um cartão de débito, mas, em vez da máquina de cartão, o valor é transferido de celular para celular (do cliente para empresa). A transação que leva aproximadamente três segundos para ser concluída, segundo os idealizadores, enquanto um pagamento com cartão pode levar até 30 segundos.
O Code Money é voltado principalmente para restaurantes e lanchonetes. Para os estabelecimentos, existe também um gestor de recebíveis, possibilitando o controle das vendas e o acesso a dados que possibilitam o início ou a complementação de estratégias.
Beltrão e seus sócios passaram quase nove meses fazendo a homologação do produto junto ao Banco Central. Em 2016, em uma viagem a San Francisco, no estado americano da Califórnia, percebeu o crescimento de aplicativos semelhantes ao que se tornaria o Code Money, como Google Pay, Samsung Pay e Apple Pay. A experiência serviu para aperfeiçoar seu próprio aplicativo e aprender com defeitos e qualidades do que as principais marcas utilizavam.
“Estes outros aplicativos não chegaram com força no Brasil por causa da regulamentação vigente. Além disso, é algo que mexe com um hábito do consumidor, que é acostumado ao dinheiro em espécie e ao cartão”, explica.
Depois de diversas evoluções, o Code Money conta hoje com 3 mil estabelecimentos credenciados, espalhados pelo Vale do Itajaí, por Curitiba e, a partir do segundo semestre, em São Paulo. Entre os planos para o futuro da empresa, está a implementação de biometria para pagamento. Desta forma, bastaria o cliente de um restaurante ou lanchonete fazer a leitura biométrica no celular do estabelecimento para que o pagamento fosse efetuado.
“Tudo que fazemos é para melhorar a experiência do comprador e do vendedor. A expansão da Code Money visa melhorias para pequenos e médios varejistas deste setor”, finaliza Beltrão.
Em novembro de 2017, a Code Money foi um dos 100 projetos aprovados no Sinapse da Inovação, um programa da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc) que, entre outros benefícios, fornece uma bolsa de até R$ 60 mil.
Empresa compete com gigante nacional
O Pedidos10 é uma startup voltada para restaurantes e lanchonetes, e seu principal aplicativo, de mesmo nome, permite ao consumidor pode fazer seu pedido em diversos estabelecimentos de 11 municípios catarinenses. Em Brusque, cidade onde a empresa foi criada, o Pedidos10 substituiu a gigante iFood. Pelo menos 20 estabelecimentos estão presentes no Pedidos10 em Brusque, enquanto apenas dois estão no iFood.
A ideia surgiu em 2016, quando Vander Bertolini se reuniu com dois colegas que também queriam abrir uma empresa. Os investimentos eram pequenos e vinham dos próprios bolsos dos sócios. Depois de diversos sacrifícios de tempo e dinheiro, fazendo o projeto do aplicativo no tempo livre, os sócios chegaram ao seu objetivo. Após a estabilização, os sócios conseguiram o apoio de um investidor de Indaial que tem 10% de participação no aplicativo.
Apesar do apoio familiar que tiveram, conquistar a confiança de outras pessoas ao redor foi um dos maiores desafios. “Muitas vezes as pessoas não entendiam direito, sempre colocavam tudo em dúvida. Sem falar que há pessoas que à primeira vista demonstraram grande interesse, mas na hora H surgem as desculpas”, conta.
Hoje, com 40 mil downloads e crescimento de 5% ao mês, a Pedidos10 registra em média mil pedidos por semana nos 230 restaurantes e lanchonetes cadastrados em 11 municípios catarinenses. Nos próximos meses, Jaraguá do Sul será o 12º. O público-alvo é jovem, com idade máxima até 35 anos.
Mesmo com os números expressivos, apenas seis pessoas trabalham na startup atualmente. A automação dos serviços tem grande influência, pois o aplicativo se gerencia praticamente sozinho. Se o recebimento do pedido não foi confirmado pelo restaurante, é enviado um telefonema gravado depois de dois minutos. “Claro que estamos em busca de mais programadores, porque queremos desenvolver novos produtos”, explica Bertolini.
A startup visa uma expansão com outros produtos voltados para restaurantes e lanchonetes, além de levar seu carro-chefe para outros estados. “Não somos uma empresa de delivery. Já temos, por exemplo, um sistema de comandas eletrônicas para restaurantes. Queremos ser uma empresa de softwares para este nicho.”
Plataforma fornece lojas virtuais
A Camiseta Digital é uma das quatro startups cadastradas no Startup SC, iniciativa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) de Santa Catarina, em parceria com a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico Sustentável (SDS). A configuração da empresa foge um pouco do conceito convencional de startup.
O que é considerado startup é uma criação da empresa: o PrinteeMe, uma plataforma online onde o cliente pode criar sua própria loja de camisetas estampadas, incluindo convênio com o PagSeguro (serviço de pagamento via internet). As responsabilidades ficam nas partes administrativa, criativa e de publicidade, já que toda a confecção e o envio dos produtos são feitos pela Camiseta Digital.
“Tínhamos dificuldade em enxergar a nós próprios como startup quando fizemos a inscrição para o processo, porque já éramos uma confecção, uma indústria, que criou o sistema PrinteeMe. A classificação foi dada pelo StartUp SC e ficamos muito felizes em participar. Corrigimos algumas coisas e aperfeiçoamos outras”, explica o CEO Claiton Bigliardi.
Em outubro de 2011, o site da Camiseta Digital estreou. No fim de 2012, começou a tomar forma a ideia da PrinteeMe, com com muitas pesquisas e estudos. Em 2014, foi contratada uma empresa de tecnologia da informação (TI) para a construção da plataforma até que ela finalmente fosse ao ar no primeiro semestre de 2015.
A plataforma PrinteeMe, em resumo, permite que qualquer pessoa crie uma loja virtual de camisetas, utilizando seu próprio domínio na internet. A produção e o envio são feitos sob demanda, pela confecção da Camiseta Digital. O público pode ser do mais diverso, embora a startup foque naqueles que tenham um espírito mais empreendedor. Bigliardi estima que seus clientes tenham entre 20 e 35 anos, sendo 70% do sexo masculino, Hoje, 20 lojas estão ativas na plataforma.
O momento da Camiseta Digital é de retomada, após uma queda causada pela crise econômica dos últimos anos. “Pensávamos a princípio que a crise seria até benéfica, pois as pessoas procurariam coisas novas para fazer e encontrariam a plataforma. Mas até outubro, novembro do ano passado, a procura diminuiu muito. Só nos últimos dois meses voltamos a ter procura crescente. Tínhamos a impressão de ter entrado cedo demais no mercado.”
Bertolini também destaca que para fazer a loja dar certo, não basta criá-la. É necessário investir em sua divulgação e em sua presença online, com anúncios e estratégias de marketing. “Damos a ferramenta para criar a loja, mas a pessoa pode se frustrar se ficar só na divulgação boca a boca, espalhando para família e para os amigos. Eles podem comprar uma ou duas peças para ajudar, e pronto. É importante ter, além das ideias, visão, investimento e preparo.”
Entre os cases de sucesso com a PrinteeMe, estão a Loja Buenas, que aposta na cultura gaúcha, a Karmaya, que vende produtos licenciados do jogo de computador DOTA 2 e a Buabu, que foi um dos primeiros clientes da plataforma e cresceu a ponto de poder funcionar de maneira independente. “É sempre bom ver que este crescimento veio da plataforma também”, afirma Bigliardi.
Conceito de startup gera dúvidas
De acordo com o o professor do curso de administração da Univali, André Moraes, o conceito de startup ainda não é consolidado no mercado, mas afirma que uma característica inerente é o rápido crescimento da empresa. Ele admite que há uma espécie de “glamourização” do termo, que acaba confundindo o público e o próprio conceito de startup.
“Não é algo exclusivo do ambiente de startup. Mas é uma palavra que traz uma imagem de vanguarda, de inovação, então às vezes a empresa se define assim. Mas será que a empresa é de fato inovadora? O termo não significa necessariamente isso, mas o uso traz um status junto”, explica Moraes, que também trabalha no Núcleo de Inovação Tecnológica (Uniinova) da Univali.
“No passado, na década de 80, também havia isto com o termo ‘diretor’. Pessoas que abriam uma empresa se definiam diretores, porque naquela época o alvo era a indústria. O mesmo acontece hoje com ‘co-founder’, ‘CEO’. Não é necessariamente errado, tem a ver com o linguajar do mercado e do meio. Mas claro que para quem olha e analisa, são coisas que não têm impacto algum na situação real da empresa”, continua o professor.
Emprego e comportamento
Muitas startups, principalmente as voltadas para a tecnologia, conseguem obter grandes quantidades de clientes e causar grande impacto com um número reduzido de funcionários. Para Moraes, o tamanho da startup exige a terceirização de diversos serviços. “A ideia de olhar a startup em si como o conjunto de todas as funções de que ela precisa e exerce pode levar a uma visão muito errada. Ela costuma contratar muito, tem parcerias, e a partir disso, acaba alavancando a geração de empregos.”
Há também o estereótipo, principalmente quanto a startups que trabalham com comunicação e TI, de que há um ambiente de trabalho excessivamente descontraído, com diversos tipos de recreação listados como “benefício” em anúncios de vaga de emprego.
Para o CEO da Code Money, Júnior Beltrão, o comportamento jovem, e até infantil de algumas startups com seus funcionários não deve ser confundido com a seriedade da empresa com seus clientes. “Existem empresas e colaboradores que acabam fugindo um pouco da linha, mas são exceções.”
“Startups são muito voltadas ao trabalho intelectual. A empresa precisa dar mais que benefícios financeiros. Ela busca dar ao colaborador um conforto. É comum ver espaços de descanso, diversões. Dá pra pensar que as pessoas ficam lá o dia inteiro e jogando, mas não é verdade”, afirma Moraes.
“É um falso-positivo. Realmente existe este tipo de situação, principalmente nas empresas de tecnologia. Mas é uma maneira que elas encontraram de não ter um processo operacional engessado. As empresas mais metidas a descoladas, com pufe colorido, lanchinho pra lá e pra cá, fazem isso para entregar um diferencial aos colaboradores”, explica Beltrão.
Moraes pontua a extrema condição de incerteza nas startups, que são negócios nascentes que não têm todas as competências necessárias. A jornada de trabalho, por sua vez, é muito focada na produção do funcionário em vez da quantidade de horas trabalhadas, mudando a dinâmica de trabalho frente aos modelos tradicionais.
“O horário costuma ser muito livre, baseado nas metas e na produção, muitas vezes você é livre para fazer seu horário. Tem muito do estereótipo, não há indícios ou estudos de que startups cheguem a precarizar as relações de trabalho.”