Sociólogo italiano explica impasse entre São João Batista e Santa Teresa enquanto berços da imigração italiana
Renzo Maria Grosselli é estudioso dos fenômenos migratórios italianos para diversas partes do mundo
Em 11 de janeiro de 2018, a lei federal nº. 13.617/2018 foi sancionada pelo presidente Michel Temer, atribuindo ao município de Santa Teresa, no Espírito Santo, o título de “Pioneiro da Imigração Italiana no Brasil”. Surgiu então uma polêmica entre catarinenses e capixabas. Alguns historiadores, como o brusquense Paulo Vendelino Kons, afirmam que a lei está em desacordo com a verdade histórica e defendem que a Colônia Nova Itália, no atual município catarinense de São João Batista, é a “Colônia Pioneira”, o “Berço da Imigração Italiana no Brasil”, por ter sido fundada quatro décadas antes.
O Município entrevistou o sociólogo e doutor em História italiano Renzo Maria Grosselli, estudioso dos fenômenos migratórios italianos para diversas partes do mundo, especialmente para o Brasil, e autor de “Vencer ou Morrer – Camponeses Trentinos (Vênetos e Lombardos) Nas Florestas Brasileiras”. Grosselli fala sobre as influências da imigração italiana, o contexto do país nos fenômenos migratórios do Século XIX e elucida a questão entre São João Batista e Santa Teresa.
O Município – Como era organizada politicamente a Península Itálica até meados do século XIX?
Renzo Maria Grosseli – A Itália da metade do século XIX… Não era a Itália. No começo de 1848 o território que mais ou menos constitui hoje a Itália estava dividido entre várias entidades políticas: o Reino da Sardenha, composto por Piemonte, Ligúria e Sardenha; Lombardo Vêneto, que pertencia ao Reino da Áustria, assim como o Tirol Italiano, que já era o Principado Episcopal de Trento. Também havia os Ducados de Parma e de Modena, o Grão Ducado da Toscana, o Estado Pontifício e o Reino das Duas Sicílias. Só em 1861 formou-se o Reino da Itália, sob o impulso dos piemonteses.
A unificação italiana de que modo influenciou a emigração?
É só a partir daquele momento de unificação que pode-se falar de emigração italiana, embora, em sentido amplo, no território da Itália atual, o fenômeno emigratório era conhecido há séculos.
As razões disso foram muitas e diversificadas de região em região. Mas, para ficar ao período da Grande Emigração, digamos que o fenômeno teve muito a que ver com a transformação da estrutura econômica do País, a racionalização da agricultura, a expulsão de massas de camponeses da roça, a urbanização e a procura de nova terra ou simplesmente de trabalho para além das fronteiras e também além do oceano.
Por que os italianos emigraram para a América?
A América no período 1870-1914 representou pro imaginário coletivo camponês “o grande sonho”. Era a possibilidade de voltar a ser agricultor, criar de novo comunidades camponesas, sem mandar as filhas a serviço de outras famílias, os filhos no exército para combater novas guerras, sem a necessidade de emigrar a cada outono pra achar trabalho em outra terra. Mas neste sentido foram o Brasil e Argentina as terras americanas privilegiadas. Nos Estados Unidos, foram os ingleses e alemães que ocuparam as terras livres antes daquele período. Quando o imigrante italiano chegou não tinha mais espaço.
O que representou para o Brasil a fixação em seu território de centenas de milhares de italianos?
Hoje, embora as estatísticas proponham números diferentes, achamos que o número de pessoas de origem italiana possa se aproximar aos 30 milhões, deslocados especialmente nos estados das regiões sul e sudeste. Gente que com o passar do tempo iniciou novamente um processo de migração que os levou do Rio Grande do Sul para o Oeste Catarinense, depois rumo ao Paraná e destes três estados rumo ao Mato Grosso, Tocantins e, enfim, Bahia, Rondônia e até Maranhão. E do Espírito Santo os ítalo-brasileiros entraram em Minas Gerais e depois mais em frente chegaram à Amazônia.
No Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Espírito Santo, os camponeses italianos entraram em grande número nas colônias, ficando imediatamente donos de um pedaço de terra, algo que ia além de suas expectativas. Com o passar do tempo, estes imigrantes, juntos com os nativos e com os imigrantes provenientes da Alemanha, da Polônia e de outros países, com o auxílio do Estado, conseguiram dar agricultura, indústria e artesanato de qualidade, impulsionando a economia da região.
Quais as atuais características dos descendentes daqueles primeiros emigrantes da Península Itálica? Como se definem, quais traços de “italianidade” ainda trazem consigo, que os possa caracterizar como descendentes de italianos? E os italianos tiroleses, do Império Austro-húngaro, como se definiam?
Quem são hoje os italianos do Brasil? Claramente, depois de 140 anos, são brasileiros. Brasileiros de origem italiana. E assim eles se sentem. Vejamos a Copa do Mundo de futebol e os jogos entre Brasil e Itália… Com toda a “italianada” do Brasil que torce com força pros verde-amarelos. Mas no Sul e no Espírito Santo as coisas são um pouquinho diferentes. As comunidades ítalo-brasileiras são ainda suficientemente compactas e demonstram mais claramente as características culturais dos antepassados: uma grande capacidade de trabalho, um apego forte à estrutura familiar e aos valores do catolicismo. Estamos já na quinta e sexta geração e os jovens hoje querem visitar a pátria dos avós pra tocar com mãos o que era o manancial, a origem: no idioma, na comida, na música.
Sobre os tiroleses italianos, o passaporte deles era austríaco. Mas eles viajavam junto com uma minoria de vênetos, eram de língua e cultura italiana e nasceram em uma terra que depois de 1918 passou a fazer parte do Reino da Itália. Além disso, logo depois da primeira geração eles se misturaram com vênetos, lombardos e friulanos, gente da mesma cultura. Tanto que logo se definiram “taliani”. Pergunte hoje como se define um descendente tirolês italiano de Nova Trento, Bento Gonçalves, Garibaldi, Caxias do Sul (RS), Novo Tirol (PR) ou Santa Teresa (ES). São italianos.
A lei federal nº. 13.617/2018, sancionada pelo presidente Michel Temer em 11 de janeiro de 2018 atribui ao município de Santa Teresa, no Espírito Santo, o título de “Pioneiro da Imigração Italiana no Brasil”. Surgiu então uma polêmica, com historiadores dizendo que a lei está em desacordo com a verdade histórica e que na verdade a Colônia Nova Itália, no atual município de São João Batista, é a “Colônia Pioneira”, o “Berço da Imigração Italiana no Brasil”, por ter sido fundada quatro décadas antes da iniciativa no Espírito Santo. Como o senhor avalia este impasse?
Com uma certa razão os catarinenses declaram que o verdadeiro berço da imigração italiana foi a Colônia Nova Itália, fundada em 1836 nas terras que hoje fazem parte do município de São João Batista, próximo ao município de Nova Trento. A realidade histórica, porém, tem que ser esclarecida. Se é importante definir quem foram os primeiros imigrantes italianos que chegaram ao Brasil em número significativo, teríamos que dizer que foram as quase 200 pessoas que entraram em Nova Itália.
Mas, se queremos estabelecer quem foram os primeiros italianos que chegaram ao Brasil, dando início à “emigrazione di massa italiana” ou à Grande Imigração Italiana no Brasil, sem dúvida teremos que responder que foram as famílias tirolesas italianas e vênetas que foram levadas pro Brasil com financiamentos do empresário tirolês italiano Pietro Tabacchi. Eram quase 400 pessoas, a maioria vinda do Tirol Italiano. Depois deles, o fluxo emigratório italiano rumo ao Brasil explodiu.
Não estávamos ainda no período da Grande Emigração Italiana, nem naquele da Grande Imigração Italiana no Brasil. Vários historiadores italianos identificam na unificação da Itália, em 1861, o marco do começo da Grande Emigração Italiana, outros falam da década dos anos 70. Neste ponto, os primeiros italianos que chegaram no Brasil e iniciaram este novo e massivo fluxo de emigração foram os colonos de Pietro Tabacchi. Mas foram os imigrantes que entraram na Colônia Nova Itália que constituíram, sim, o primeiro grupo organizado de colonos italianos que desembarcou no Brasil. Contudo, não representaram o começo da Grande Imigração italiana que explodiu a partir do 1874.