Envelhecendo com saúde
A expectativa de vida no Brasil e no mundo tem aumentado nas últimas décadas. Em 2023 a expectativa de vida das mulheres ficou em 79 anos e a dos homens em 72 anos. Em 2019 os números eram maiores, 80 anos para as mulheres e 73 para os homens, a alta mortalidade da pandemia fez esses números regredirem.
Algo que me causa muita surpresa na prática clínica é constatar que pessoas com histórico de vida e idade cronológica semelhantes se encontram em situações de vitalidade física, mental e emocional muito diferentes.
É verdade que há um componente genético que não deve ser desconsiderado, mas há também vários outros fatores que acabam sendo fundamentais para que as pessoas cheguem na terceira idade em melhor ou pior situação de saúde.
Fatores relacionados a hábitos e estilos de vida tem uma grande importância sobre a saúde e a expectativa de vida de cada pessoa. Isto faz com que cada um tenha um ritmo diferente de envelhecimento biológico. Por este motivo, conhecemos pessoas que parecem mais jovens que sua idade cronológica e outros que parecem mais velhos.
Com alguma frequência atendo homens na faixa dos cinquenta anos, fumantes, com sobrepeso, sedentários, que trabalham sob estresse durante a semana e exageram no consumo de bebida alcoólica durante os fins de semana.
Geralmente estes pacientes têm exames de sangue de rotina alterados, níveis glicêmicos aumentados, colesterol e triglicerídeos elevados, além de outras alterações.
Há um fator importante pouco observado, é o fato de que apesar de não serem portadores de nenhuma doença neurológica que afeta suas funções motoras, estes pacientes já se encontram com uma motricidade diminuída. Caminham com lentidão e seus movimentos corporais são vagarosos, parecem estar continuamente cansados.
Na prática, eles têm uma idade biológica maior que sua idade cronológica.
A boa notícia é que mudanças no estilo de vida como o abandono do cigarro e da ingesta alcoólica, melhorias nos hábitos alimentares e a introdução da prática de atividades físicas regularmente podem reverter esta situação e num período de poucos meses estes pacientes podem ter uma melhora significativa tanto de seus exames complementares quanto da sua disposição física, mental, emocional e até da sua aparência física.
Também encontramos o extremo oposto, pessoas com mais de 70 anos com muita vitalidade, que caminham com agilidade, que praticam atividade física regularmente e tem hábitos alimentares saudáveis (que em geral significa evitar o consumo de gorduras saturadas e ter uma alimentação rica em verduras, legumes, frutas e cereais).
Um fator importante a ser considerado é a atitude mental perante o envelhecimento.
Há os que focam nas oportunidades de cada dia a ser vivido, sendo assim minimizam as dificuldades que acompanham o envelhecimento corporal como dores artrósicas, diminuição de força muscular, perda de agilidade.
São pessoas que adotam uma postura positiva e otimista perante a vida e ao mesmo tempo estão cientes da finitude da mesma e, portanto, da importância de utilizar da melhor maneira o tempo restante de vida.
Trata-se de envelhecer com sabedoria, aceitando certas dificuldades físicas e dando valor aos conhecimentos adquiridos, às experiências vividas e estar disposto a executar tudo aquilo que sempre tivemos vontade de realizar e que por circunstâncias da vida ainda não realizamos.
As confidências do consultório médico são uma fonte incrível e surpreendente de aprendizados, lembro do relato de uma paciente com transtorno de ansiedade iniciado após a recente aposentadoria do marido.
Diz ela: “meu marido acaba de se aposentar com 50 anos, chegou em casa, sentou-se na poltrona perante a televisão e declarou em alto e bom tom: daqui para frente estou aposentado e não sou obrigado a fazer mais nada, não me levantarei nem para pegar água, já trabalhei que chega”.
Ninguém conseguiu tirar essa ideia da sua cabeça, a esposa ficou aflita e angustiada, teve que iniciar tratamento medicamentoso e após três anos de sedentarismo extremo o cansado marido veio a falecer.
Mas há também milhares de pessoas idosas com atitudes diferentes, lembro daquela contada no primeiro livro da família Schurmann, eles próprios um exemplo de como encarar os anos maduros com otimismo e novos projetos.
Relatam que ancorados numa marina de algum porto estadunidense presenciaram dois idosos beirando os setenta anos trabalhando num veleiro, simplesmente estavam dando os últimos consertos para empreender o sonho da vida deles, dar a volta ao mundo num veleiro.
Muitos vivem como se não fossem envelhecer nunca e nesse trajeto acabam acelerando esse processo.
Nossa sociedade é muito permissiva com uma das drogas que mais aceleram o envelhecimento, o álcool. Para a grande maioria, uma reunião de amigos sem ingerir bebida alcóolica não tem graça nenhuma e dessa forma vamos acelerando nosso declínio biológico.
Atingir uma velhice com total e completa lucidez além de autonomia e independência física exige além de um certo esforço na juventude e nos anos maduros também ter um pouco de sorte na loteria genética.
Quem chega na sétima ou na oitava décadas de vida com saúde física e mental não deve temer a morte, pode se considerar um privilegiado.
Geralmente essas pessoas não têm medo da morte, tem pena de morrer porque a vida tem sido generosa com eles e porque apesar de todos os infortúnios que possamos ter a vida continua sendo bela.