Esgoto do futuro: Camboriú aposta em projeto de saneamento para crescer economicamente e salvar o rio mais poluído do estado
Investimento de R$ 300 milhões da Águas de Camboriú visa transformar a qualidade de vida no município até 2033
Investimento de R$ 300 milhões da Águas de Camboriú visa transformar a qualidade de vida no município até 2033
Em março deste ano, a Prefeitura de Camboriú e a concessionária Águas de Camboriú, da holding Aegea, assinaram um acordo que autoriza a empresa a realizar as obras de esgotamento sanitário no município. O valor previsto para concluir o projeto é de R$ 300 milhões. O recurso, aguardado há anos pelos moradores, deverá ser investido até a conclusão das obras, prevista para 2033.
O valor, se separado por ano, será muito maior comparado aos quase R$ 5,5 milhões investidos no saneamento básico do município em 2022. Atualmente, o esgoto produzido em Camboriú não é tratado, impactando diretamente o rio Camboriú, sua fauna e o mar.
Conforme os dados de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Camboriú tem mais de 103 mil habitantes, sendo que 50% deste total são mulheres e cerca de 10 mil são crianças.
Ao analisar esses dados, Reginalva Mureb, presidente da Águas de Camboriú, aponta que o impacto do saneamento será profundo. Ela também destaca que a empresa detém a concessão de serviços de saneamento em mais de 500 municípios no Brasil, sendo considerada a maior empresa privada do setor no país.
“Temos o conhecimento e a tecnologia necessária para mudar o cenário do município. Se trata de um divisor de águas. Com essa transformação, Camboriú entrará em uma nova fase de desenvolvimento e, gradualmente, veremos um rio despoluído e o retorno dos peixes, afirma.
O projeto também visa melhorar significativamente o meio ambiente e a saúde pública, reduzindo o número de moradores afetados por doenças relacionadas ao esgoto sem tratamento.
O prefeito de Camboriú, Elcio Rogério Kuhnen, diz que considera o projeto um marco histórico, pois, além de melhorar a qualidade de vida, deverá reduzir os gastos com saúde pública.
“Investimentos como estes nos ajudam a construir um futuro sustentável para toda a região. Era um sonho antigo de todos nós”, comenta.
O projeto inclui a instalação de 500 quilômetros de tubulações e a construção de uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) com capacidade para processar 248 litros por segundo, utilizando o avançado Sistema Terciário de Lodo Granulado Aeróbio.
A tecnologia utiliza microorganismos em um formato granular para remover impurezas e poluentes do esgoto eficientemente. Ele faz parte da terceira etapa no tratamento de esgoto, onde o foco está em remover contaminantes que não foram eliminados nas fases anteriores.
Além disso, o projeto prevê a implantação de 31 estações elevatórias de esgoto, estrategicamente distribuídas pelo município. Por consequência, visa recuperar a qualidade do rio Camboriú, que abastece também o município de Balneário Camboriú.
“O saneamento básico é a chave para que o rio volte a ter melhores condições, porém Camboriú e Balneário Camboriú precisam trabalhar juntas nesse processo”, destaca o professor Paulo Swingel, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Camboriú.
As águas do rio são fundamentais para o sustento de milhões de pessoas a cada ano, sejam moradores ou turistas, atendendo a diversas necessidades, desde o consumo e a limpeza até a construção civil. Além disso, impactam também a qualidade de vida dos animais que habitam a região.
Letícia Rabelo, especialista em Ciência e Tecnologia Ambiental, é referência quando o assunto é a bacia do rio Camboriú. Professora dos cursos de Controle Ambiental e Agronomia no IFC Campus Camboriú, a pesquisadora apresentou, em 2018, sua tese de doutorado voltada à gestão da bacia.
Em seus estudos, a especialista destaca que, de acordo com uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que estabelece as classes de corpos d’água, o rio Camboriú é considerado poluído. Mais do que isso, é classificado nas piores categorias.
“No último monitoramento, realizado em 2022, na maioria dos pontos analisados, o rio foi classificado como de qualidade muito ruim. Essa condição também foi atestada pelo boletim QualiÁgua SC, publicado pelo governo do estado. Esse boletim, inclusive, apontou o rio Camboriú como o mais poluído de Santa Catarina”, ressalta.
Segundo Letícia, também é preciso ter cuidado com as matas ciliares do rio Camboriú. Desde as nascentes até o percurso completo. Ela explica que antes da poluição por esgoto da área urbana chegar ao rio, ele apresenta uma qualidade muito boa, já que ainda possui de 70% a 80% da bacia coberta por mata.
“É necessário considerar como manter e melhorar a qualidade desse rio ao longo do tempo. O esgoto por si só resolve? Não. São necessárias outras ações, e a principal delas é a preservação das matas ciliares em todo o percurso do rio”.
O ciclo completo do saneamento, de acordo com a especialista, inclui o abastecimento de água potável, a coleta e destinação adequada dos resíduos sólidos, que é o lixo, e a drenagem urbana, além do tratamento de esgoto.
Por fim, Letícia diz que a poluição por plástico foi outro problema notado nas análises. Por essas razões, a situação do rio Camboriú é considerada preocupante e a urgência por um tratamento adequado nunca foi tão real.
“Esperamos que essa nova ETE seja construída logo e que funcione de forma efetiva. Ela vai resolver um problema crucial e, embora o prazo final seja 2033, esperamos ver melhorias na qualidade do rio e do mar o quanto antes”.
De acordo com os dados do IBGE de 2022, a população de Camboriú cresceu 65% nos últimos anos. Junto do número de habitantes, a pressão dos moradores por melhorias na infraestrutura também aumentou.
A moradora do bairro Santa Regina, Julia Guilanzoni, diz que a infraestrutura de saneamento não acompanhou o crescimento do município. Porém, ela espera resultados positivos do investimento.
“Somos um município que sofre ainda com valas abertas. Poucos investem em obras de grande porte, mas de pouca visibilidade, como essa. Esperávamos há anos por isso”, comenta.
A presidente executiva do Instituto Trata Brasil (ITB), Luana Pretto, explica que a lentidão no avanço do saneamento básico em Camboriú reflete uma realidade comum em grande parte do país, causada principalmente pela falta de investimentos adequados no setor.
O cenário nacional, segundo a presidente, é marcado por um baixo aporte de recursos, com uma média de apenas R$ 108 investidos por habitante a cada ano, enquanto o ideal seria R$ 230.
“Esse tipo de projeto é a base para o desenvolvimento econômico e social. Precisamos investir para ganhar produtividade e para que haja um futuro melhor”, diz.
Por ser ambicioso, o projeto também desperta curiosidades e dúvidas em alguns moradores. Um deles, que preferiu não se identificar, diz que a expectativa é grande, porém, que ainda aguarda informações mais concretas sobre o andamento do projeto.
“Nossa cidade possui muitas ruas asfaltadas, o que levanta a questão: terão que ser abertas? Isso pode trazer muitos transtornos, especialmente se o processo se alongar. Outra preocupação é com as tarifas. O morador pagará caro? Haverá aumentos significativos nas contas? Enfim, o projeto é um sonho, mas temos algumas apreensões”, explana.
Reginalva Mureb ressalta que o projeto já está em andamento e que a concessionária realiza estudos de solo para identificar o local ideal para a construção da ETE. No momento, terrenos estão sendo analisados para a empresa poder determinar a melhor área para a estação.
“A comunidade é avisada sobre as obras por diferentes canais de comunicação. As ruas que forem abertas serão refeitas e ficarão do mesmo jeito que estavam”.
Sobre o pagamento do serviço, a presidente explica que o morador começa a pagar a tarifa de esgoto a partir do momento em que o serviço começa a ser prestado.
“No Brasil, metade da população já paga por essa prestação de serviço e as tarifas sempre respeitam o que é definido e validado pela agência reguladora”.
O relatório “Benefícios Econômicos da Expansão do Saneamento no Estado de Santa Catarina”, produzido pelo ITB, aponta que os problemas de saúde mais graves associados à falta de saneamento básico ocorrem nas margens de rios e córregos poluídos ou em ruas onde o esgoto corre ao ar livre, seja em valas, sarjetas ou cursos d’água. Cenário idêntico ao de Camboriú.
A poluição também afeta reservatórios e mananciais, cuja qualidade vem se deteriorando ao longo dos anos. Já a exposição ao esgoto não tratado e à falta de água potável resulta em doenças que afetam gravemente a saúde de crianças, jovens e adultos.
Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 2020, última divulgada, em 2019 ocorreram 273,4 mil internações somente por infecções de veiculação hídrica no país. Na média, se obteve uma relação de 13 internações para cada 10 mil habitantes, no comparativo com 2010, este índice era de 31,6%.
“Estamos falando de doenças como esquistossomose, leptospirose e diarreia. Em Santa Catarina, por exemplo, registramos 92 óbitos devido a doenças associadas à falta de saneamento no ano de 2022. É preciso atenção”, diz a presidente do Instituto.
Embora não tenha registrado mortes, o município de Camboriú, segundo o DataSus de 2022, registrou 25 internações por doenças de veiculação hídrica. Dessas, 13 foram de bebês e crianças até 4 anos. As internações representaram uma despesa de mais de R$ 12,5 mil aos cofres públicos.
“Os números são muito importantes para as análises. Por exemplo, de acordo com a OMS, a cada R$ 1 investido em saneamento, é possível ter uma economia de até R$ 4 em saúde. É uma informação importante”, comenta Letícia Rabelo.
O diretor de Vigilância em Saúde de Camboriú, Pedro Augusto de Mendonça, ressalta que, além de prevenir as doenças mencionadas por Luana, o novo sistema de saneamento básico contribuirá para a redução de focos de água parada, onde se proliferam mosquitos transmissores de doenças como a dengue.
A proliferação da doença é um dos pontos que mais recebe atenção da Vigilância em Saúde. Segundo os dados disponibilizados, no ano de 2023 Camboriú registrou 1.138 focos de dengue e 652 casos da doença.
“Esperamos uma significativa redução desses focos, o que pode diminuir a incidência de doenças transmitidas por mosquitos. É uma engrenagem, uma coisa leva a outra”, explica.
Questionado sobre as ações que a Vigilância em Saúde vem implementando para combater doenças enquanto o projeto está na fase inicial, Pedro diz que além do controle mensal da qualidade da água, é feita a capacitação de profissionais e atividades para a conscientização da população.
Além dos impactos na saúde e na qualidade de vida, dados disponibilizados pela Águas de Camboriú mostram que um bom esgotamento sanitário traz benefícios diretos à economia local. Eles indicam, inclusive, que cidades com saneamento podem registrar uma valorização imobiliária de até 17%.
A informação está alinhada com um estudo realizado pelo ITB, que aponta que imóveis com acesso à coleta e tratamento de esgoto são mais valorizados do que aqueles que não dispõem desse serviço.
A pesquisa mostra que, em 2019, o valor médio dos aluguéis pagos nas moradias brasileiras que tinham acesso à água tratada era 68,2% superior ao das moradias sem esse serviço. Na comparação das moradias com coleta de esgoto contra as sem coleta de esgoto, essa diferença era de 60%. Já a ausência de banheiro reduzia o valor do imóvel em 29,6%.
Fernando Willrich, presidente do CRECI-SC, ressalta a importância do investimento em saneamento para o mercado imobiliário de Camboriú. Segundo ele, não há dúvidas de que as obras de infraestrutura, especialmente de saneamento básico, impactam diretamente na valorização dos imóveis.
“Saneamento é sinônimo de qualidade de vida, e, em um cenário de grande atenção à sustentabilidade, imóveis integrados a um sistema de saneamento tornam-se muito mais atraentes para construtores, vendedores e compradores”, explica.
Atualmente, Camboriú conta com 985 corretores de imóveis com inscrições ativas e 67 empresas imobiliárias registradas, números que só aumentam a cada ano. “Esse crescimento reforça as expectativas de expansão no setor com a nova infraestrutura”, conclui Fernando.
O setor turístico de Camboriú é outro que pode ‘surfar na onda’ das melhorias que o projeto fará, já que o saneamento também possibilita a valorização das atividades econômicas que dependem de condições ambientais adequadas para seu exercício.
Segundo o relatório do ITB, o turismo é uma atividade econômica que não se desenvolve adequadamente em regiões com falta de coleta e tratamento de esgoto ou com falta de água tratada. A contaminação do meio ambiente por esgoto compromete, ou até anula, o potencial turístico de uma região.
Embora não seja considerada uma cidade conhecida pelo turismo de natureza, Camboriú fica ao lado de Balneário Camboriú, um dos destinos mais procurados do Brasil. Por isso, muitos moradores aproveitam para alugar seus imóveis a turistas que não encontram opções em Balneário, seja por questões de preço ou por diversos outros motivos.
O município também é forte no turismo religioso, recebendo milhares de turistas durante eventos de escala nacional.
Doutor em Turismo e Hotelaria e mestre em Urbanismo, Eduardo Baptista Lopes destaca que um dos maiores desafios enfrentados pelos municípios do litoral que buscam explorar o turismo, especialmente durante a alta temporada, é a gestão do saneamento básico.
“Além do tratamento de esgoto, o abastecimento de água é um desses desafios. Como o sistema é projetado basicamente para atender a população e a demanda local, durante a maior parte do ano ele vai suprir essa necessidade, porém, em alta temporada esse sistema pode ser superado muito rápido. É algo a se avaliar”.
A presidente do Águas de Camboriú complementa dizendo que a qualidade dos rios e praias é um fator que impactam o interesse do turista. Segundo ela, em 2022, o equivalente a 295 piscinas olímpicas de esgoto bruto foi despejado na natureza em Santa Catarina.
“Isso prejudica o turismo da região, pois a exposição aos microrganismos presentes nessas praias pode causar doenças. Além disso, afeta negativamente a imagem da cidade e da região, comprometendo o desenvolvimento do turismo de forma geral”, enfatiza.
A ausência de água tratada e de sistemas de coleta e tratamento de esgoto também afeta diretamente o mercado de trabalho e atividades econômicas que dependem de condições ambientais adequadas.
No campo do trabalho, a falta de saneamento reduz a produtividade, na educação, impacta o desempenho das crianças. Segundo o relatório do ITB, o atraso escolar é 3% maior nas populações que não têm acesso ao saneamento no país. A falta de banheiro de moradia aumenta em 15,2% esse atraso.
A influência de um sistema de saneamento adequado na vida dos estudantes é evidente nas médias do Enem. Dados de 2019 mostram que aqueles com acesso a coleta de esgoto em suas residências apresentaram desempenhos superiores em comparação aos que não possuem esse sistema.
Sobre os trabalhadores que atuam na informalidade, estes afastamentos podem resultar em perdas de renda mensal de até 20%.
O Professor de Gestão Financeira, Crisanto Soares Ribeiro, destaca que outro impacto econômico negativo que a falta de saneamento faz é o aumento dos gastos públicos e privados com o tratamento de pessoas infectadas.
“Só para se ter uma noção, uma pesquisa desenvolvida pelo site Medicina S/A aponta que a ampliação em 10 pontos percentuais na cobertura de água potável e de serviços de esgoto pode reduzir as internações por dengue em mais de 50% no Brasil. Em 2020, os custos representavam cerca de R$ 420 por pessoa no Brasil”, destaca.
Porém, segundo o profissional, também é possível enxergar pontos positivos para a economia de Camboriú com o novo sistema. Ele explica que a construção de redes de distribuição de água, redes de coleta de esgoto, estações de captação e tratamento de água, bem como estações de tratamento de efluentes, impactam principalmente o setor de construção civil
“Poderão existir investimentos diretos das empresas responsáveis pelos serviços, como também os realizados pela população em geral em complementação a melhoria das redes de águas e esgotos. Esses movimentos irão gerar emprego, é como uma engrenagem”, complementa.
Segundo o Painel Saneamento Brasil, em 2022, os investimentos em saneamento no país geraram aproximadamente 330 mil empregos no total, enquanto a operação da infraestrutura contribuiu com cerca de 555 mil empregos.
“Trata-se de um investimento fundamental para o desenvolvimento econômico e social da população. Se queremos que os moradores, especialmente as crianças, tenham um futuro melhor, com mais oportunidades e um desenvolvimento físico, intelectual e neurológico adequados, é necessário que tenham acesso ao básico para poderem se desenvolver”, complementa Luana Pretto.
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