Marcos Borges

Estudantes autistas de Brusque lançam livro em parceria com professoras

Alunos da escola Ivo Silveira quebraram estigmas com a obra Blue Angels

O autismo, ainda hoje, é alvo de muitos estigmas e preconceitos. Aos poucos, algumas iniciativas têm mostrado que a realidade é bem diferente: o autista pode ter uma vida normal e se desenvolver. Um exemplo de ação que ajuda neste processo de desmistificação do transtorno é o lançamento, na semana passada, de um livro pelos estudantes José Ray Rodrigues de Castro, 17 anos, e Julia Venturelli Santana, 16, da Escola de Educação Básica Ivo Silveira, de Brusque.

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José e Julia fazem parte de um seleto rol de escritores – algo extraordinário na adolescência, ainda mais com as limitações impostas pelo autismo. Os dois escreveram o livro “Blue Angels” dentro do projeto “Eu Escritor”, desenvolvido pela professora de Língua Portuguesa e Literatura, Kátia Medeiros Corrêa Gastaldi, com o apoio da segunda professora em sala de aula, Fernanda Rudolf.

Kátia realiza o projeto há anos. Neste ano, quando ela viu que José e Julia são autistas, não teve dúvidas de que era preciso aproveitar o potencial especial deles.

José é diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) de Alto Desempenho, enquanto que Julia tem TEA com Deficiência Intelectual Limítrofe. Contudo, nada disso os impede de levar uma vida em convívio social assim como outros adolescentes.

“Queria fazer algo que marcasse o Ensino Médio deles”, comenta a professora Kátia. Em fevereiro, ela e Fernanda começaram o projeto do livro com José e Julia.

Como segunda professora, Fernanda teve papel fundamental. Ela e Kátia identificaram que os dois estudantes têm mais aptidão para o desenho do que para a escrita.

Essa predisposição para algumas atividades é uma característica do autista. Por repetir muitas vezes a mesma ação, ele tende a se especializar, por exemplo, na pintura, desenho, música, etc.

Com isso, já estava definido que o livro teria mais desenhos. Precisava, então, ser decidido o tema. Fernanda passou duas semanas conversando com os alunos para escolher o assunto, que acabou sendo coleta de lixo.

O trabalho de Fernanda foi complicado, já que são jovens especiais. Mas no fim os dois gostaram muito do livro. As atividades para a publicação foram desenvolvidas durante as aulas de Kátia, quando não havia provas, trabalhos ou outro exercício valendo nota.

Foram praticamente seis meses de trabalho, com o acompanhamento de Fernanda e de Kátia de perto. O que começou com alguma dificuldade conquistou todos – e José e Julia, quando tinham prova, ficavam ávidos por voltar a trabalhar no livro.

Julia, que é mais tímida, foi quem escreveu. Trata-se de uma história na qual uma jovem é desobediente e, em vez de jogar o lixo na lixeira, como a mãe manda, descarta tudo no rio, que acaba poluído e verde.

José gosta de desenhar, por isso ele fez todas as ilustrações. Há um desenho por página. Julia completou o serviço com a pintura.

Normalmente, Kátia pega o manuscrito, depois digita no computador e, por último, edita. Mas, como é um caso especial, Blue Angels tem a letra de Julia, pois os originais foram escaneados.

Reconhecimento
“Não imaginava que seria escritor, porque aconteceu do nada”, afirma José. “Estou bem feliz”, resume Julia, ao seu estilo mais discreto.

Cada um da sua maneira, José e Julia aproveitam o momento com o lançamento do livro. É uma conquista e tanto para os dois, que têm uma vida escolar com dificuldades devido ao autismo.

José comenta que ficava muito isolado quando estudava noutra escola. Neste ano, no Ivo Silveira, foi recebido de forma diferente, com o apoio do quadro dos professores e da direção.

“As pessoas falam mais comigo, sou menos isolado”, diz. “Gosto quando falam comigo”, finaliza José, que gosta de jogos de computador e videogame.

Julia, que gosta também de computador, videogame, livros e pintura,  também diz que tem sido mais reconhecida e isso a deixa mais feliz e bem aceita no convívio social.

Inclusão que transforma
O projeto “Eu Escritor” é desenvolvido por Kátia há anos. Ela faz parte de uma cooperativa de escritores chamada Clube de Autores.

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A professora já auxiliou no lançamento de 160 livros com alunos de diferentes escolas. Além de dar aula no Ivo Silveira, atualmente, ela também trabalha no Yvone Olinger Appel, no Paquetá.

Kátia afirma que os autistas “são especiais” e que os professores devem assim enxergá-los. “Todo professor deve acreditar e oportunizar”, destaca.

Fernanda trabalhou pela primeira vez num projeto deste tipo. “Foi muito especial, marcante. Marcou não só a entrada deles no Ensino Médio, mas a minha vida”, afirma a professora.

Onde adquirir
A APP do Ivo Silveira foi parceira do projeto e comprou quatro livros. Mais 30 estão sendo adquiridos. Mas quem quiser pode acessar o site www.clubedeautores.com.br, procurar por Blue Angels e comprar o e-book por R$ 11,84 ou o livro por R$ 45,13.