Mãe, sabe aqueles monstros no armário? Eu acho que eles não existem mais. Agora que eu cresci, a noite não parece ser tão escura e eu não tenho mais medo daquela sombra na parede. Ei mãe, as coisas ficaram feias por aqui.

Tinha umas cinquenta latinhas de cerveja no chão, eu não tinha dinheiro nem pra comer, mas o pó de cada dia, o corre e a anfetamina eram garantidos.

Eu gostava dessa vida, era um magrelo largado aos trapos, miseravelmente abandonado à beira da estrada, tal qual um cachorro vira-lata. Mal dava pra saber se eu era vivo ou morto, era tanto osso visível, quase exposto.

Mãe, agora eu entendo os monstros.

A senhora me criou pra ser um bom menino, um cara de futuro, que fez faculdade, se formou em medicina e usa terninho de alta costura. Mãe, eu lamento, eu decepcionei a senhora. Eu me perdi entre as faltas de uma aula e outra, entre os rolês tranquilos e sons das sirenes de polícia.

Ô mãe, me perdoa, eu perdi a senhora, o emprego, a namorada e o filho que ela carregava na barriga. Mãe, ela morreu, você sabe? Levaram com ela seu neto e o seu menino de futuro.

Num dia qualquer ela saiu pra ir na mercearia do zé, naquela esquina lá na descida entre o morro e a periferia. Nunca mais ela voltou, mãe. Mataram minha mulher e filho, com um só tiro, maior ato de covardia.

Mãe, hoje faz dois anos que eu tô no presídio e aqui, se a gente não fica esperto, rapidinho aparece um doido pra furar a gente. Eu acabei com minha vida mãe, mas pelo menos a sua nora e o seu neto, não ficaram esquecidos entre as tantas histórias injustas que se perdem numa rotina tão banal. Aquele desgraçado me implorou pela vida, mas na hora de atirar numa mulher inocente, ele não teve nem um momento de hesitação.

Ô mãe, que saudade da senhora. Seu menino bom foi taxado de vagabundo e a senhora nem me olha na cara de tanta vergonha. Eu sei que a senhora pensa que eu sou vagabundo e sabe, mãe, tá tudo bem. Eu também comecei a acreditar nisso um tempo atrás.

Ah mãe, e os monstros, né? Eu sou como eles agora. Eu tenho que me esconder na sombra que tem atrás da porta. Se eu não fizer isso, mãe, o diabo me devora.


Alice Ádna Ferreira
– 18 anos – Comércio Exterior da Univali