“Eu não era mais só a médica, eu era a filha”: radiologista conta como foi descobrir câncer de mama na mãe
Julieta Pamplona Schramm relembra a história que viveu ao lado da mãe e destaca a importância de realizar os exames anualmente
O câncer está presente na vida da médica radiologista Julieta Pamplona Schramm desde a infância. Quando ela tinha seis anos, seu irmão mais novo foi diagnosticado com rabdomiossarcoma, um tipo raro de câncer que surge das células que desenvolvem os músculos.
Após três anos de tratamento, ele acabou falecendo, aos seis anos de idade. O trauma da perda do irmão fez com que, desde criança, Julieta manifestasse o desejo de ser médica.
“Eu dizia que queria achar a cura para o câncer. Quando chegou a hora de decidir, fui para este caminho. Sempre gostei muito da oncologia e me apaixonei desde o início pela radiologia mamária. Me especializei e há 10 anos atuo na área”, conta.
Essa é uma área que é difícil não se envolver, você não consegue não perguntar. É uma história, uma dor que a pessoa está vivendo e é preciso entrar nessa dor para entender o que a pessoa está sentindo
Como radiologista, Julieta é responsável pelos exames de mamografia e ultrassonografia mamária que detectam as principais alterações na mama. Diariamente, ela recebe mulheres que estão no consultório para realizar seus exames de rotina, e muitas vezes, o resultado aponta para o câncer de mama. Sabendo da informação, a médica precisa orientar a paciente sobre a necessidade de uma biópsia, mas sem alarmar sobre a gravidade do caso.
“Quando eu faço o exame em uma paciente e eu vejo que aquela alteração é câncer, eu jamais falo para ela na hora. Eu converso, digo que é algo que exige biópsia, mas nunca vou deixar a paciente preocupada, angustiada. Procuro manter a calma porque não adianta falar algo que vai fazer ela ficar sofrendo dias até chegar o resultado. Tento amenizar essa pré-notícia e ela sai com esperança”, diz a médica, que em Brusque atua na HC Imagem.
Julieta afirma que durante os exames e após o diagnóstico, quando a paciente já está em tratamento, é impossível não se envolver com as histórias, principalmente pelo fato de que desde muito cedo ela compreende a gravidade de um câncer.
“Eu sempre me envolvi muito. Essa é uma área que é difícil não se envolver, você não consegue não perguntar. É uma história, uma dor que a pessoa está vivendo e é preciso entrar nessa dor para entender o que a pessoa está sentindo, entender até onde você pode ir. Eu converso muito, abraço, oriento, não sei fazer de outra forma”.
O choque de detectar câncer na própria mãe
Em 10 anos atuando como radiologista mamária, muitas pacientes marcaram a carreira de Julieta. Ela recorda com carinho de uma paciente que já havia superado um câncer de mama há 10 anos e em um exame de rotina foi detectada uma alteração bastante grave.
“Era uma situação muito delicada, com muito risco de morte e ela vinha com a família fazer os exames, sempre com um sorriso largo, feliz, nunca se abateu. Vinha com fé, confiante. A cirurgia dela foi extremamente agressiva e ela conseguiu vencer. Hoje está muito bem, se dedica a ajudar mulheres com câncer de mama. A história dela me marcou muito e hoje somos amigas”, conta.
Quando eu vi o nódulo, tinha certeza que era câncer, mas não podia falar para ela
Entretanto, nenhuma história a marcou mais do que a que iniciou no dia 19 de dezembro de 2021, quando em exames de rotina, Julieta detectou câncer de mama na mãe.
“Ela não sentia nada. Fomos fazer os exames de rotina. Na mamografia não apareceu nada, mas no ultrassom apareceu. Por isso que sempre falo que esses exames são complementares, é preciso fazer os dois. Quando eu vi o nódulo, tinha certeza que era câncer, mas não podia falar para ela”.
A médica conseguiu agendar uma biópsia para ter certeza, mas guardou o resultado para si. Não queria dar a notícia para mãe durante o Natal. Também não queria ser ela a portadora do diagnóstico que já trouxe tanto sofrimento para a família no passado.
“A pancada foi muito grande, porque eu sabia dos riscos, sabia que ela poderia morrer. Não era mais só uma paciente, era a minha mãe. Eu não era mais só a médica, eu era a filha. Naquele momento, muito mais filha do que médica, porque o teu lado médico fica muito fragilizado, inseguro”.
Não era mais só uma paciente, era a minha mãe. Eu não era mais só a médica, eu era a filha
Julieta compartilhou a notícia apenas com o pai e o marido. Passadas as festas de fim de ano, agendou uma consulta com o oncologista para o dia 5 de janeiro de 2022. Esteve ao lado da mãe quando veio o diagnóstico.
“Eu não tinha coragem de dar a notícia para ela. Quando o médico falou, foi muito difícil. Ela olhou para mim e disse: ‘eu tenho câncer, eu vou morrer’. Foi difícil a aceitação pelo histórico da família, por tudo que aconteceu com meu irmão”.
A radiologista acompanhou de perto todo o tratamento da mãe. Foram meses difíceis, em que conviveu intensamente com o drama vivido por muitas de suas pacientes.
“Passamos pela fase do cabelo, e ali eu vi ainda mais como ele é importante para a mulher. A perda faz muita diferença para autoestima, é uma mutilação mesmo, mas conseguimos superar. O tratamento deu certo, estive do lado dela em todo o momento e hoje ela está bem, saudável, conseguimos vencer”.
A batalha ao lado da mãe, fez Julieta se sensibilizar ainda mais com a história de suas pacientes e faz questão de compartilhar com elas tudo que viveu durante este período, principalmente, o final feliz.
“Eu sempre comento com elas sobre o caso da minha mãe, que eu entendo muito bem a dor delas, mas que deu tudo certo, que é possível superar. O câncer de mama é grave, sim, mas tem muitas chances de cura, principalmente se detectado no início, por isso, é fundamental que as mulheres façam seus exames anualmente, isso pode fazer toda a diferença no tratamento”.