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Eu poderia matar

Uma cerca que nos prende e nos obriga a enxergar o feio, o cruel. Está por todos os lados. Nos noticiários, nas conversas, nas piadas, nos olhares e pensamentos. Lá está ela, escancarada, revelando o humano do ser. A violência.

Eu nunca bati em alguém. Eu nunca mataria, nem machucaria. Mas tenho dúvidas do quanto posso ser movida pela própria violência.

Há alguns dias apareceu na Internet um vídeo em que uma transexual circula por vários espaços públicos e a câmera grava os comentários das pessoas. Chuva de ofensas e maldades. Aí a cena muda. Corte para uma outra filmagem, fazendo relação com a primeira. Uma transexual está caída no chão apanhando brutalmente de três homens. Um deles pegou uma tábua e acertou as costas da criatura humilhada que chorava, provavelmente sem entender qual foi seu crime. Nesse momento parei de assistir.

Além de nojo daqueles homens, a cena me gerou revolta. Gerou uma violência adormecida em mim. Me imaginei agredindo, inclusive fisicamente, aqueles monstros. Eu podia matá-los. Eu que sou incapaz disso.

Outras vezes já imaginei (até sem querer, o pensamento vem), e também já sonhei. Quando fui roubada em 2009, por exemplo, minha carteira tirada da bolsa sem eu perceber. Desenhei os rostos que mal vi dos ladrões e quis bater, arranhar, chutar. Eu que sou incapaz disso.

Dói saber que estamos sendo contaminados pela violência, muitas vezes banalizada. Não quero odiar ninguém, muito menos agredir. Não quero estes pensamentos tomando forma. Não quero gerar violência.

Então, como escolhemos a quantidade de salada a compor o prato e nos alimentar de saúde, talvez tenhamos que escolher a quantidade de violência e más notícias que compõem nosso dia. E assim nos proteger do diabinho que, pousado sobre um dos ombros, só aconselha.

 

 

Lieza Neves – atriz, escritora, produtora cultural…