Ex-servidor da prefeitura denuncia suposto esquema de rachadinha para partidos em Brusque

Aladin Farias afirma que foi demitido após negar pedido de ex-vereador; ele denunciou o caso ao Ministério Público

Ex-servidor da prefeitura denuncia suposto esquema de rachadinha para partidos em Brusque

Aladin Farias afirma que foi demitido após negar pedido de ex-vereador; ele denunciou o caso ao Ministério Público

O ex-servidor comissionado da Fundação Cultural de Brusque, Aladin Farias Segundo, 38 anos, denunciou ao Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC) um suposto esquema de rachadinha envolvendo servidores comissionados indicados por políticos na prefeitura.

A prática consiste no repasse, por parte de um servidor público ou prestador de serviços da administração, de um percentual de sua remuneração a políticos e assessores.

Farias concedeu uma entrevista exclusiva ao jornal O Município denunciando o esquema. Ele foi exonerado de seu cargo de coordenador na Fundação Cultural em dezembro do ano passado, após se negar a pagar o valor que lhe era cobrado, segundo ele, pelo ex-vereador e hoje diretor do Samae, Cleiton Bittelbrunn, do DEM.

Aladin trabalhava na prefeitura desde maio de 2018, indicado por Bittelbrunn, que era filiado ao PRP. Na época, foi nomeado como assessor operacional da Fundação Municipal de Esportes (FME). Foi ocupando este cargo, ainda em 2018, que ele afirma ter recebido a primeira cobrança por parte do então vereador.

“Em 2018, entre agosto e setembro, o ex-vereador Cleiton entrou em contato comigo via WhatsApp relatando que o partido estava pedindo dinheiro dos indicados dele. Teríamos que repassar 10% do salário”, conta.

À reportagem, o ex-servidor mostrou prints (fotos da tela do celular) da conversa em que o então vereador informou o esquema. A grafia das mensagens, incluindo erros de pontuação e ortografia, foi mantida: “Boa tarde! Ontem na reunião do partido foi decidido que cada cargo que eu tenho os três comigo tem que repassar 10% pro partido. Coordenador e o chefe. Depois um diretor. Todos 10%”, diz a mensagem.

Após Aladin assumir um cargo na prefeitura, em 2018, Bittelbrunn explica o esquema e afirma que o dinheiro repassado pelo então assessor operacional seria destinado ao partido. Na época, Bittelbrunn estava filiado ao PRP | Foto: Reprodução

Aladin afirma que não aceitou pagar e informou ao ex-vereador que tomaria providências caso fosse cobrado novamente. “Passou a eleição e eu permaneci no cargo normalmente”.

Após esse episódio, Aladin afirma que não foi mais cobrado sobre o assunto, até o ano passado. O ex-servidor relata que em setembro de 2020, já filiado ao DEM, Cleiton entrou em contato com ele informando que surgiu um cargo de coordenador na Fundação Cultural. “Eu aceitei o cargo, mas em nenhum momento ele impôs que seria uma moeda de troca, que eu teria que repassar algum valor”.

Aladin foi nomeado para seu novo cargo em 23 de setembro de 2020. Sete dias depois, no dia 30 de setembro – dia de pagamento dos funcionários da prefeitura – voltou a receber cobranças.

“Quem me ligou primeiro foi um cunhado do Cleiton, que era diretor na prefeitura. Na ligação ele informou que eu teria que repassar R$ 1 mil do meu cargo de coordenador. Eu respondi que queria conversar sobre o assunto”.

Aladin relata que foi até a prefeitura e lá se encontrou com Cleiton. Os dois conversaram sobre o pagamento. “Ele falou que esse R$ 1 mil não era pra ele, era pro Jones Bosio [presidente do DEM de Brusque] para pagar o aluguel do diretório”.

Ex-servidor reúne provas do esquema

O ex-servidor diz que nunca teve a intenção de pagar, já que em 2018, quando ficou sabendo do esquema, se negou e permaneceu trabalhando normalmente, sem represálias.

“Achei que tudo continuaria da mesma forma, mas aí pensei que se eu negasse direto mais uma vez, talvez não teria como provar que isso acontece. Então mandei uma mensagem pro diretor [que fazia as cobranças e intermediava o pagamento] falando que levaria a diferença do valor de chefe operacional. Fui bem explícito”.

A diferença a que Aladin se refere é porque sua promoção a coordenador da Fundação Cultural ocorreu quase no fim do mês, por isso, receberia o salário de R$ 4,8 mil proporcionalmente.

Na mensagem para o intermediador, ele envia uma imagem da portaria que o nomeou coordenador da Fundação Cultural e escreve: “Minha portaria de chefe operacional para coordenador, agora se tu puder avisar o Cleitinho que não vai dar pra repassar os valores todos pque vou receber proporcional. Senão é capaz de ele pedir os 1000”. O intermediador responde: “sim”.

No mesmo dia, ele também envia uma mensagem de WhatsApp para Cleiton: “depois eu vou lá na prefeitura deixar aquele valor da diferença de coordenador”, o então vereador, entretanto, não responde.

Diferente do que disse nas mensagens enviadas, Aladin não levou o valor. Ele afirma que foi cobrado, mas negou o pagamento. “Passou um tempo e o Cleiton falou pra mim que como era período eleitoral, ele tirou R$ 1 mil do próprio bolso e deu pro Jones, já que eu não entreguei”.

No dia 31 de outubro, dia de pagamento dos servidores da prefeitura, o episódio se repetiu. Aladin afirma que recebeu ligações do então diretor cobrando, mas novamente se recusou a pagar.

No mês seguinte, no dia 30 de novembro – após a eleição -, o ex-servidor conta que recebeu o pagamento normalmente e no dia seguinte, 1º de dezembro, recebeu mais uma ligação cobrando parte de seu salário. 

“Ele me ligou às 14h55 e na hora eu neguei o pagamento no telefone. Em seguida mandei mensagem pro Cleiton e pro Jones Bosio questionando, mas ele não respondeu. O Cleiton respondeu, disse que eu estava ameaçando ele”.

Reprodução
Prestes a ser exonerado e já convicto de que deixaria o cargo comissionado muito em breve, Aladin envia mensagens para Bittelbrunn, criticando veementemente o então vereador, que acusa o servidor de estar o ameaçando | Foto: Reprodução

Aladin conta que uma hora e meia depois que enviou as mensagens para Cleiton e Jones, recebeu uma ligação do setor de Recursos Humanos da prefeitura, pedindo para ele ir até lá. “Eu falei pra ela que já sabia que estava exonerado, e ela confirmou. Com certeza depois que eu me neguei, o Jones e o Cleiton pediram a minha exoneração”.

A portaria com a exoneração de Aladin do cargo de coordenador da Fundação Cultural foi publicada no Diário Oficial no dia 3 de dezembro de 2020.

Encontro no Fórum e tentativa de novo cargo

Inconformado com a situação, Aladin decidiu denunciar o caso, já que guardou algumas mensagens e áudios sobre o assunto. O ex-servidor revelou para a pessoa que intermediava o pagamento, agora ex-diretor da prefeitura, que denunciaria o esquema e o convidou para denunciar também. “Ele dizia que não participava, só pediam para ele cobrar, pois caso não fizesse, seria exonerado. Eu falei pra gente fazer justiça, mas ele não topou ir”.

Em 14 de janeiro deste ano, Aladin mandou a seguinte mensagem para o ex-diretor da prefeitura: “E aí meu amigo! Amanhã às 13 hrs estarei subindo a rampa do Fórum para me dirigir a promotoria, tomei uma decisão com uma grande reflexão, vamos eu e vc fazer justiça contra esses elementos que nos lesaram e desdenharam. 13 hrs estarei no Fórum”.

Aladin manda mensagem para o ex-diretor da prefeitura que era o responsável por fazer a cobrança do valor, afirmando que no dia seguinte estaria no fórum para denunciar o esquema | Foto: Reprodução

Ele responde com áudio, o qual a reportagem de O Município teve acesso: “Com certeza, isso aí, mas de certa maneira tu expondo meu nome no Judiciário, pode ser que sim, pode ser que não, estarás me prejudicando. Sempre fui muito parceiro teu, teu amigo, sincero e honesto. Não gostaria que aparecesse meu nome, se conseguisse botar as provas sem meu nome, até porque não tenho nada a ver com peixe, fui intermediário de uma situação que foi combinada ou não entre vocês. Pensa bem a questão da minha pessoa, concordo com o teu pensamento, mas só a questão do meu nome, pois não tenho nada a ver com o peixe. Não gostaria de estar no meio dessa situação, sem ter culpa nenhuma”. [ouça áudio abaixo]

Aladin responde o áudio do ex-diretor, novamente criticando o esquema que culminou na sua exoneração como coordenador da Fundação Cultural | Foto: Reprodução

No dia seguinte, 15 de janeiro, às 13 horas, Aladin foi até o Fórum. Porém, devido à pandemia da Covid-19, o vigia o informou que o atendimento na promotoria estava sendo realizado por agendamento.

Quando descia a rampa do Fórum, ele afirma que encontrou com Cleiton Bittelbrunn, que o abordou. “Ele perguntou o que eu estava fazendo e eu respondi que estava fazendo justiça. Ele disse pra eu pensar bem, porque assim nunca mais vou trabalhar em órgão público. Ele também me disse para não prejudicar ele, porque ia tentar um cargo pra mim com um deputado”.

Depois deste encontro, Aladin recebeu print de uma conversa de Cleiton com um deputado estadual, em que pedia um cargo para o ex-servidor. Na mensagem, o ex-vereador escreve: “Tem um cara meu que ficou fora da gestão aqui no município, queria ver se vc tivesse uma vaga pra encaixar ele no seu gabinete, ou se conseguimos por ele na prefeitura aqui, mas eu já pedi eles falaram que não tem mais vaga”.

Na tentativa de reverter a situação após Aladin afirmar que iria denunciar Bittelbrunn e Bosio à promotoria, o ex-vereador procura um deputado estadual, tentando uma vaga para Aladin no gabinete do parlamentar ou, novamente, na Prefeitura de Brusque. Após Bittelbrunn enviar a mensagem, enviou o print para Aladin, alegando que estava tentando conseguir a vaga para o coordenador exonerado | Foto: Reprodução

“Vejo isso como uma forma de fazer eu desistir de denunciar. Eu fui lesado, exonerado por ser honesto, por não aceitar participar desse esquema”, afirma Aladin.

Também foi depois de sua tentativa de denúncia no Fórum que o ex-servidor foi procurado por Jones Bosio. “Ele mandou um áudio dizendo que precisava falar comigo, se poderíamos tomar um café. Não respondi e bloqueei o número dele. Também tenho o número do Cleiton bloqueado”.  [ouça áudio abaixo]

Os nomes citados fora do contexto da reportagem nas conversas de WhatsApp foram omitidos por orientação jurídica.

Esquema é conhecido nos corredores da prefeitura

O Município ouviu diversas fontes, que preferiram não se identificar, sobre a existência do esquema. São servidores e ex-servidores da prefeitura que afirmam que a cobrança de uma porcentagem da remuneração dos comissionados por parte de alguns líderes partidários não é segredo.

Uma das fontes que atuou recentemente como comissionada na prefeitura, afirma que fala-se abertamente sobre o assunto nos corredores do Executivo.

“O que se ouve falar é que todos os cargos do DEM têm que pagar, mas há um descontentamento, as pessoas não gostam. É notório, todo mundo sabe que isso acontece”, diz.

Aladin afirma que existe uma lista com os nomes dos servidores que supostamente pagam a porcentagem todos os meses. “Sei dessa lista, de outras pessoas que pagam, mas não tenho como provar. O que eu tenho é isso, o que aconteceu comigo”.

A denúncia de Aladin foi protocolada nesta terça-feira, 17, junto ao Ministério Público, e agora aguarda despacho do promotor.

O que dizem os citados

Questionado por O Município sobre o caso, o ex-vereador e atual diretor do Samae, Cleiton Bittelbrunn, disse que não tem conhecimento sobre o caso e prefere não se manifestar.

O presidente do DEM, Jones Bosio, afirma que não tem conhecimento sobre o caso e que após as investigações será provado de que nunca participou do suposto esquema.

“Eu nunca tive nada relacionado a isso. Denúncia contra mim é o que mais tem. A denúncia foi feita, o promotor vai apurar os fatos e vai saber que não tem procedência. Envolver o nome das pessoas é muito fácil. A hora que eu for intimado, darei minha posição. Não faço parte do governo. Simplesmente apoiamos o candidato a prefeito e mais nada”.

Consultada, a Prefeitura de Brusque informou que não irá se manifestar sobre “as supostas denúncias”.

Juristas divergem sobre classificação da rachadinha

No meio jurídico, não há consenso sobre o enquadramento da prática da rachadinha como crime, por isso, há diversas interpretações jurídicas quanto à sua classificação.

Alguns especialistas afirmam que a prática configura o delito de peculato (desvio). Para outros, o ato se enquadra em corrupção passiva ou concussão, que é obtenção de vantagem indevida em razão da função.

Outros não concordam que o repasse de parte do salário seja crime, ou seja, pode ser considerado apenas improbidade administrativa, que é a conduta inadequada de agentes públicos que causem danos à administração. A improbidade não gera sentença de prisão, mas pode implicar em multas, perda da função e suspensão dos direitos políticos.

Há ainda uma linha do Direito que considera que a prática é imoral, mas não passível de punições por se tratar de negociação entre particulares.

A rachadinha ficou famosa em 2018, com a suspeita de que o senador Flávio Bolsonaro e seu ex-assessor, Fabrício Queiroz, organizavam este esquema na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), quando Flávio era deputado estadual. De acordo com a denúncia do Ministério Público, eram contratados com dinheiro público funcionários fantasmas para o gabinete de Flávio, que devolviam quase a totalidade de seus salários.

O Ministério Público identificou que Queiroz recebeu R$ 2 milhões por meio de 483 depósitos de dinheiro em espécie feitos por 13 assessores ligados ao gabinete de Flávio Bolsonaro. Os dois negam as acusações.

No momento, a denúncia está parada enquanto recursos do senador são analisados no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

*Colaborou o estagiário Thiago Facchini

Leia também:
– Após reportagem do jornal O Município, Gaeco realiza buscas em investigação de esquema de rachadinha em Brusque


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