Se a sua bolha nas redes sociais é parecida com a minha, você passou parte da última semana vendo as pessoas compartilhar esta imagem aí, que compara “os melhores” da música de 1987 com os de 2017.
Como muita gente, talvez tenha concordado que as coisas eram muito melhores antigamente e que hoje a música é toda feita de lixo. Desculpe, então. Seu raciocínio, assim como a sua memória, foram enganados. E estão bem errados.
Vamos começar olhando o fenômeno em si: a lista não tem fonte, não tem um critério estabelecido (melhores artistas musicais, cara pálida? Isso quer dizer mais vendidas, mais tocadas, escolhidas por uma comissão de especialistas iluminados?), não dá maiores explicações. Ainda tem erros cronológicos berrantes, como incluir Marisa Monte, que só estreou em disco dois anos depois.
Ou seja, é um exemplo bem basiquinho das fake news que se tornaram nossas coleguinhas de tela, nos últimos anos. Mentiras disfarçadas de notícia, que, se encaixam com nossas crenças, fazemos questão de compartilhar. Assim reforçamos nossas próprias opiniões. Não é isso que fazemos?
Se quisermos escapar dessa desonestidade intelectual, só temos uma solução: desconfiar. Sempre. De tudo. Procurar saber o que vários portais de notícias estão falando sobre o assunto. Conferir se o E-farsas – e demais sites especializados em checagem de informação – já se pronunciou a respeito. Neste caso específico, até que demorou um pouquinho, mas deram o diagnóstico deles. Mostraram que Roberto Carlos estava em baixa naquele ano, assim como Djavan, Caetano, Gal, Zé Ramalho, Renato Teixeira e Almir Sater (que só se tornaria conhecido do grande público depois de ter participado da novela Pantanal, em 1990). Legião e Marina tocaram bastante naquele ano… mas muitíssimo menos que Xuxa. Provavelmente muito menos, também, que Olodum ou Rosana.
Já a lista de 2017 foi inventada seguindo outro tipo de raciocínio. Que mistura mais tocados com aqueles que tiveram muita visibilidade – e uma dose inequívoca de homofobia.
O objetivo, além de “demonstrar” que a qualidade musical decaiu nas últimas décadas, é também desqualificar Pabblo Vittar. O que nos levaria a outra discussão sem fim, eu sei. Que evitaremos por hoje. E desqualificar Anitta (quantas letras duplas, socorro!). Ambos são alvos fáceis em um tempo repleto de alvos questionáveis, mas que escapam do ódio majoritário, escorados em gêneros de sucesso popular pleno.
No fim das contas, se fizermos uma lista de “melhores” a partir da super subjetiva qualidade musical, 2017 teria que incluir Chico Buarque, que lançou um disco maravilhoso ano passado. E 1987 teria que, a se pensar em termos de popularidade, ser encabeçado pela Xuxa que, assim como Pabblo Vittar, fica devendo muito em termos de competência vocal.
A lição que a gente tira disso tudo, neste ano eleitoral de 2018, é que só temos a ganhar com argumentos melhores, resistindo a mentiras fantasiadas de verdades. Se a nossa arma contemporânea é compartilhar conteúdo nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens, que a gente aprenda a usar essa arma com mais competência, evitando o jogo sujo de tentar ter razão a qualquer preço. Podemos tentar?
E por falar em redes sociais…
Mister Mark Zuckerberg andou escrevendo textões no Facebook dele. Tudo para nos avisar que ele vai mexer de novo no que a gente vê “espontaneamente” em nosso feed. Se a preocupação dele fosse autêntica, seria quase tocante. Ele se diz super preocupado com a qualidade do tempo que passamos enfiados no Facebook e demonstra a certeza absoluta que nós queremos menos notícias, informação de empresas ou culturais… e mais conversa com nossas famílias e amigos.
Você concorda? Se concorda, ótimo. Mas… se não concorda, onde fica o seu direito de escolher qual informação você quer ver na maior rede social dos últimos anos? Fica cada vez mais dificultado.
Claro, parte das razões ocultas dele são comerciais. Ele quer funcionar como qualquer mídia: quer aparecer, pague. Este é um processo que já vem acontecendo, brutalmente, há bastante tempo. Teremos só mais um degrau – e que atinge, inclusive, as “não-empresas” que tem páginas no Facebook para se comunicar com seu público. Artistas, ONGs, movimentos sociais… todos perdem.
O segundo textão publicado por Zuckerberg é mais específico e fala em notícias. Aparentemente, a motivação aí é outra. O medo de processos lá nas terras norte-americanas – ou de represálias piores… A motivação é mais política, no fim das contas. E um pouco sem vergonha.
Ele diz que vai fazer um esforço de pesquisa para que nós, consumidores, possamos identificar que fontes são mais confiáveis, em termos de notícias. Logo nós, vítimas das fake news… Mister Marquinho, pelo jeito, quer dividir a conta de filtrar o conteúdo informativo com a gente. Espertinho…