Ferreiro, uma no ferro, outra na bigorna
Faço um trabalho voluntário, no Bosque do Garapuvu, próximo da minha casa e quase quebrei uma perna com um golpe de facão. Coisa de quem não está acostumado a trabalhar no mato e nem a manejar essa útil ferramenta. Agora, estou abaixo de antibiótico para me recuperar do ferimento. O facão, de cabo de madeira, […]
Faço um trabalho voluntário, no Bosque do Garapuvu, próximo da minha casa e quase quebrei uma perna com um golpe de facão. Coisa de quem não está acostumado a trabalhar no mato e nem a manejar essa útil ferramenta. Agora, estou abaixo de antibiótico para me recuperar do ferimento. O facão, de cabo de madeira, pertenceu a meu pai e foi feito por um ferreiro de Tijucas, exímio artesão do ferro em brasa transformado em ferraduras, facas, foices e outros utensílios e ferramentas. Então, me lembrei que as antigas ferrarias, tão importantes para vida econômica de uma cidade, praticamente, desapareceram da paisagem urbana. É possível que algumas delas ainda resistam. Mas, são poucas e voltadas para a produção de peças decorativas em ferro.
Em Brusque, não sei se alguma ferraria tradicional, essas que os mais jovens não chegaram a conhecer, sobrevive ao que chamamos de progresso e que transformou os velhos galpões da bigorna e do martelo, nas modernas oficinas mecânicas, metalúrgicas e serralherias. E, assim, os ferreiros foram desaparecendo. Hoje, é uma profissão extinta, sobrevivendo com o nome de serralheiro ou artesão do ferro batido, mestre na arte das grades e outras peças decorativas.
A imagem de duas ou três ferrarias tijucanas ficou para sempre gravada na retina da minha memória. Ainda hoje lembro daquelas casas velhas, sem pintura e sem cuidado algum nas paredes e no telhado, interior sombrio, o escuro da penumbra quebrado pelo clarão cintilante do braseiro fustigado pelo bafo intermitente do fole, acionado manualmente. Na forja, o carvão feito em brasa, pequeno vulcão em erupção, o ferro incandescente na busca da cor vermelho-cereja, ponto ideal para receber o golpe cadenciado do martelo, na ação transformadora do metal em ferramentas e utensílios.
Em pé, iluminada pela claridade das chamas, arrebol fulgurante em meio à nuvem de fumaça poluidora do ambiente sombrio, a silhueta iluminada do ferreiro, braços fortes, músculos retesados, o metal em brasa na ponta da tenaz, firme numa mão e o martelo no vai-e-vem cadenciado, uma no ferro, outra na bigorna para moldar a peça, na arte de forjar o ferro a serviço das necessidades da vida econômica, das carências domésticas e do bem estar das pessoas, que não são feitas de ferro, mas de sentimentos, emoções, fraquezas, virtudes e defeitos.
Artesão do metal convertido em ferramentas e utensílios, o ferreiro trabalhou o ferro por milênios para ajustá-lo às necessidades humanas. A moderna sociedade industrial, com suas máquinas de fazer tudo, roubou-lhe o mercado de trabalho, apagou as forjas, decretou o toque de silêncio nas ferrarias e já não se houve mais o tilintar do martelo batendo forte no ferro e na bigorna.