Fila zero do câncer: somente no papel
Aprovada em 2015, legislação que estipula prazo de 48 horas para atendimento é considerada “para inglês ver”
De poucos parágrafos, a lei estipula, basicamente, que para os pacientes diagnosticados com câncer sejam agendadas consultas e exames em um prazo máximo de 48 horas, após encaminhamento médico.
Também estipulava que o poder público deveria regulamentar a lei em até 30 dias, o que jamais aconteceu.
Segundo o presidente da subseção de Brusque da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Renato Munhoz, essa falta de regulamentação, por si só, desobriga a Secretaria de Saúde a cumprir a lei.
O projeto de lei foi aprovado em abril daquele ano, com dez votos favoráveis, um contrário e uma abstenção. Vereadores da oposição ao governo interino de Roberto Prudêncio Neto se manifestaram contrários ao projeto, com argumentos que, hoje, são verificados na prática.
Um deles é de que já existe lei federal que regulamenta prazos para procedimentos do tratamento de câncer, estipulando que, após o diagnóstico, os procedimentos sejam feitos em até 60 dias.
Outros vereadores disseram que a lei não iria funcionar na prática, pois não é possível praticar o prazo de 48 horas, devido à demanda de atendimentos da Secretaria de Saúde.
O que diz a secretaria?
O secretário de Saúde, Humberto Fornari, afirma que a prefeitura procura priorizar os atendimentos de pacientes com câncer, mas não é possível fazê-lo no prazo estipulado pela lei municipal. Ele diz que, inócua, é uma “lei para inglês ver”.
Segundo ele, o que é rigorosamente seguido pela pasta é o prazo de 60 dias, determinado em lei federal, para realização de procedimentos, após diagnóstico.
“Quando se fala em fila zero em até 48 horas, é um projeto bacana, mas às vezes nem a nível particular a gente consegue exercer essa vontade”, afirma o secretário. “Muitas vezes não temos o prestador disponível nesse prazo, ou muitas vezes você tem uma demanda excedente que não consegue encaixar mais um”.
Ainda segundo Fornari, o prognóstico de evolução da doença não muda em até 60 dias e, portanto, um procedimento ser realizado em 48 horas ou 60 dias, na prática, não faz diferença ao paciente. Ele diz que o prazo mais curto “contempla apenas a ansiedade de quem está com a doença”.
Porém, o secretário garante que há priorização dos pacientes de câncer.
Explica, por exemplo, que quando é necessário escolher entre um paciente de enfermidade menos grave que está há bastante tempo esperando por uma cirurgia e um paciente com câncer, esse será passado à frente, mesmo que esteja esperando há menos tempo.
“Em 48 horas é impraticável. Não tenho como fornecer uma vaga nesse prazo”, reitera.
Demora nos procedimentos
Em que pese a secretaria informar a impossibilidade do cumprimento da lei, ela poderia beneficiar diversas pessoas que aguardam prazos, caso tivesse sido efetivamente regulamentada.
Uma dessas pessoas é uma aposentada que há alguns anos trata o câncer, e diversas complicações que surgiram em decorrência dele. Ela pediu para ter o nome preservado.
Seu problema foi com os prazos para agendamento de exames. Neste ano, recentemente, ela precisou de uma endoscopia, pois estava vomitando sangue com frequência. O pedido foi feito pelo médico com urgência, mas levou alguns meses para ser efetivado.
Segundo a paciente, foi preciso procurar o gabinete do prefeito Jonas Paegle para acelerar o processo, pois a Secretaria de Saúde não estipulava prazo para que o exame fosse feito.
Porém, seus problemas não haviam terminado. Segundo a aposentada, ela possui solicitação pendente de outro exame, desta vez cardiológico, pendente desde maio de 2016, quando o prefeito ainda era Roberto Prudêncio Neto.
Ela afirma que precisa de uma cirurgia cardíaca, também pedida com urgência pelo médico, mas não pode fazê-la sem o exame prévio. A aposentada, segundo o diagnóstico, está com veias obstruídas e precisa da operação.
Até esta sexta-feira, entretanto, ainda não havia sido feito o exame. Quando propôs a lei, em 2015, o vereador Alessandro Simas elencou situações parecidas com esta, que deveriam ser abarcadas pela legislação: a priorização no atendimento nas unidades de saúde para complicações que não necessariamente têm ligação com o câncer.
Dois anos depois, entretanto, a lei é considerada inaplicável pela prefeitura, e não há garantia de atendimento rápido aos pacientes.