Finados e o culto aos mortos
Amanhã, Dia de Finados, data que os vivos resolveram dedicar à memória dos seus mortos, tradição cristã de mais de mil anos, vou repetir uma rotina dos últimos anos. No período da manhã, crisântemos brancos nas mãos, visitarei o cemitério de Tijucas para uma caminhada silenciosa pela alameda do descanso eterno, vereda da saudade que […]
Amanhã, Dia de Finados, data que os vivos resolveram dedicar à memória dos seus mortos, tradição cristã de mais de mil anos, vou repetir uma rotina dos últimos anos. No período da manhã, crisântemos brancos nas mãos, visitarei o cemitério de Tijucas para uma caminhada silenciosa pela alameda do descanso eterno, vereda da saudade que corta o campo santo da cidade de norte a sul. Na caminhada, irei ler o nome das famílias nas sepulturas silenciosas e das pessoas ali enterradas.
Os Azevedos, vizinhos da minha casa, na rua Nova; os Laus, comerciantes, alguns escritores famosos, um deles desembargador e meu grande amigo; os Carvalhos, que tiveram conhecido Café, sorveteria e, até, prefeito da cidade; os Santanas, donos de fábrica de farinha de nozes, onde brinquei sobre montes do farelo branco, antes que se transformassem em precioso óleo de máquina; os Britos, marceneiros, um advogado, outro escrivão e técnico do Tiradentes e, ainda, da minha professora mais querida; os Ternes, da cerâmica, do conhecido sapateiro da cidade e pai de um de meus amigo de infância; os Chaves, da famosa bala e do musse de banana, um deles expedicionário da FEB, depois prefeito da cidade.
Vou passar, também, em frente ao jazigo, da família Cruz, cujo patriarca, vindo de Portugal, arrojado comerciante, construiu o primeiro cine-teatro da região. Passarei, ainda, diante do imponente sepulcro, verdadeiro mausoléu, dos Bayers. No passado, adversários, até inimigos, disputaram o poder econômico e político da cidade, com seus rivais, os Gallottis. Hoje, os mortos destas duas tradicionais famílias descansam, em paz, lado a lado, confirmando o velho ditado popular “a morte a todos iguala”.
Ao final da caminhada da saudade, cumprindo a tradição do culto aos mortos, depositarei as flores na sepultura de meus avós paternos. N]ao cheguei a conhecer minha avó paterna. De meu avô, lembro muito pouco, uma lembrança nebulosa. Mas, sentirei que ali estão enterrados personagens que fazem parte da minha existência e da minha história.
O meu périplo de Finados terminará no antigo cemitério de São Miguel, junto à bicentenária igreja do mesmo nome, próximo a Biguaçu. Lá, repousam famílias açorianas e estão enterrados meus pais e avós maternos. O cemitério é um retrato de Angra do Heroísmo, cidade açoriana Ilha da Terceira, com suas tortuosas, desalinhadas e estreitas ruas. Para chegar ao túmulo de meus pais, será preciso caminhar, ziguezagueando, sobre antigas sepulturas Mas, os mortos não falam, não reclamam nem se incomodam ao se sentirem pisoteados por estranhos de flores nas mãos.
Na sepultura, também deixarei crisântemos e agradecerei aos meus pais e avós o exemplo de vida que me legaram e à toda nossa família.