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Floresta Urbana: Chico, o macaco da Limeira

Alimentação dos animais, comuns na região, é contraindicada por biólogos

Floresta Urbana: Chico, o macaco da Limeira

Alimentação dos animais, comuns na região, é contraindicada por biólogos

 

A pressão que o desenvolvimento tem causado sobre os ambientes naturais, com supressão das matas nativas e redução das áreas disponíveis para a fauna, tem despertado preocupação e atenção, pelo desequilíbrio ecológico que provoca. O Município Dia a Dia publica a partir de hoje uma série de reportagens sobre o conflito entre o crescimento da cidade e os animais silvestres. O primeiro personagem da série é o macaco bugio-ruivo, animal muito comum no Médio Vale do Itajaí.

bugioNos rincões do bairro Limeira encontram-se vários bugios, embrenhados nos nacos de mata que ainda sobrevivem à ação dos homens. Sônia Costa, moradora da localidade, conta que alimentou um macaco dessa espécie por cerca de oito meses e o batizou de Chico. Na primeira vez que o viu, nos fundos da sua residência, ficou com medo. “Ele apareceu no pé de nona”. Assustada, Sônia ligou para a polícia, que não pôde fazer nada e recomendou que aguardasse o bicho voltar para o mato; e foi o que ela fez.

Em seguida, o bugio foi para a casa do vizinho de Sônia, e lá ganhou uma banana. Ela soube disso e, na vez seguinte que Chico apareceu por ali, já lhe ofereceu uma fruta. “Ele pegou bem tranquilo”, diz.

A partir dali, iniciou-se uma amizade entre Sônia e o macaco Chico. Todos os dias, ela colocava frutas para ele, que não as recusava. A moradora diz que se apegou ao bicho e que o alimentava porque, por aquelas redondezas não há muito o que um animal possa comer. Não só Sônia, mas o filho dela e outras pessoas chegaram a dar de comer para o bugio, e sentiram quando ele sumiu, por cerca de dois meses. “O Chico me via e já vinha correndo”, diz.

Após algum tempo, Chico voltou. Quando um vizinho de Sônia pegou o macaco dentro do quarto, tratou de enxotá-lo. Certamente assustado com a “bronca”, o animal foi embora e há alguns meses não dá mais as caras na região.

Apesar de ter dado comida para o bugio com a melhor das intenções e preocupada com o bem estar do animal, o gesto da Sônia é desaprovado pelos biólogos. A razão para isto é simples, explica o biólogo, responsável técnico geral e coordenador no parque Zoobotânico de Brusque, Rodrigo de Souza: os bugios são herbívoros (que só comem vegetais) e essencialmente folhívoros, ou seja, a dieta ideal é composta principalmente de folhas.

“A frutose, o açúcar presente na maioria das frutas, eles utilizam menos, pois estes animais têm preferência por alimentos ricos em celulose. O que o pessoal normalmente oferece aos bugios são alimentos ricos em frutose, como manga, maçã e banana; amido, como macarrão, arroz e pão; e proteína animal, como carne vermelha e frango. Isto prejudica e muito estes indivíduos, podendo levar a casos de obesidade, diabetes, excesso de proteína ou mesmo deficiência nutricional grave”, explica.

[accordion][acc title=”Sem instintos selvagens”]A natureza é, em resumo, uma grande competição. É preciso ter muitos recursos para sobreviver aos predadores. O animal precisa ter o seu senso de sobrevivência aguçado. O biólogo Souza explica que, ao receber a comida de mão beijada, “o bicho fica preguiçoso”. Ele já não precisa mais lutar “pelo seu pão de cada dia” e isto pode ter efeitos muito ruins no futuro.
O impacto mais óbvio dessa mudança na rotina do bugio é que se a pessoa parar de alimentá-lo ou mudar-se, ele se verá em estado de abandono e, sem prática, terá poucas chances de sobreviver se tiver de buscar a sua comida em meio à natureza. “O bugio fica dócil para a pessoa, mas também para outros predadores, o que pode causar a sua morte. Existem também casos onde pessoas mal intencionadas que querem capturá-lo para mantê-lo preso, como mascote”, diz Souza.
De vez em quando a Fundação Municipal do Meio Ambiente (Fundema) recebe alguns destes animais. Recentemente, entregou dois ao Zoobotânico. Souza diz que eles eram da região e foram destinados temporariamente ao parque para que sua saúde fosse avaliada. O procedimento, neste caso, é tentar reinserir os bichos assim que possível na natureza, mas isto nem sempre é possível. Quando chegam, os bugios ficam de 20 a 40 dias em quarentena, sendo observados pelos especialistas para saber se têm condições de voltar para a mata.
Márcio Luiz Alves, diretor de proteção de ecossistemas da Fundação do Meio Ambiente (Fatma), diz que o órgão já recebeu alguns animais e destaca os danos que essa proximidade causa. O tratamento deles é feito no Centro de Tratamento de Animais Silvestres (Cetas), em Florianópolis. “Se o animal não estiver domesticado, volta para a natureza, caso contrário, ficará o resto da vida em cativeiro”, diz.
O desafio, tanto da Fatma quanto da Fundema, é conseguir reinserir o máximo de bugios na mata, mas isto, de modo geral, é muito difícil após o contato com humanos.

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[accordion][acc title=”Floresta invadida”] A bióloga Aline Naissa Dada, do Projeto Bugio – coordenado pela Universidade Regional de Blumenau (Furb) em Indaial -, diz que este encontro do animal com a cidade é causado pela invasão do espaço do animal. “A ida para a cidade é reflexo da destruição do seu habitat, a mata atlântica”. O efeito de uma construção no habitat do bugio pode ir muito além do simples confinamento. Os bugios vivem em bandos e precisam de uma grande área (até quilômetros) para conseguir sobreviver. Quando uma construção, rodovia ou qualquer outra intervenção é feita nas áreas de preservação, este espaço é reduzido, cortado ao meio, e o macaco se vê sem toda a fonte de comida que necessita.
Souza afirma que não basta simplesmente deixar o bugios – ou qualquer outro animal silvestre – em uma mata. Cada região tem a sua peculiaridade e sua vegetação, não necessariamente aquela de que o bugio necessita. “A gente está invadindo o que é dos animais, que não têm para onde ir”, diz.
Em busca de ter o que comer, estes animais por vezes saem vagando pelas ruas e acabam atropelados. Este tipo de ocorrência, segundo Aline Dada, é comum na região e coloca o bugio-ruivo ainda mais em perigo. Essa espécie já está na lista de animais vulneráveis à extinção do Instituto Nacional do Meio Ambiente (Ibama).
O que é defendido pelos biólogos é a manutenção ao máximo destes restos da floresta na região e que sejam preservados cinturões verdes, que permitam aos bichos se locomover entre uma área e outra. “Tudo o que fazemos causa danos, por isso a necessidade de ter estas áreas preservadas”, diz a biólogo.
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[tabs][tab title =”Bugio-ruivo“]O bugio-ruivo é encontrado desde a Bahia até o Rio Grande do Sul, áreas onde havia a Mata Atlântica, seu habitat. Os bugios são uma sociedade matriarcal, ou seja, a fêmea comanda os bandos, que têm até oito indivíduos. Quando passam à vida adulta ou estão muito velhos eles deixam o grupo e passam a vagar sozinhos. Não há muitos predadores naturais: a jaguatirica e a águia-real são alguns, mas o mais prejudicial é a caça e desmatamento. Por terem dieta a base de folhas e frutos, são muito importantes na disseminação de sementes e mudas nas florestas.[/tab][/tabs]

 

 

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