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Funcionários da ADR relatam métodos não convencionais nas licitações

Entrega de convites a uma só empresa e não publicação das licitações na internet estão entre eles

Ao longo da investigação, que foi conduzida no âmbito de um procedimento de investigação criminal, diversos funcionários e ex-funcionários da atual Agência de Desenvolvimento Regional (ADR), antigamente SDR, foram ouvidos pelo Ministério Público. Os depoimentos ocorreram durante o ano passado.

Alguns deles prestaram depoimentos mais de uma vez, buscando corrigir ou refazer suas declarações.

Nos relatos, diversas contradições foram observadas. Sobretudo, o fato de que ninguém sabia explicar a presença de assinaturas falsificadas nas propostas identificadas pelo MP-SC.

Sílvio Luiz da Costa, funcionário da ADR, prestou dois depoimentos ao Ministério Público, no âmbito do inquérito civil. No primeiro deles, não respondeu diretamente quase nenhuma das perguntas formuladas pela Promotoria.

Na segunda tentativa, explicou sua visão sobre o setor de Licitações.

Ele não soube explicar porque havia falsificação de assinaturas em propostas apresentadas por algumas das empresas, e disse que nem sempre os documentos eram assinados durante a sessão de abertura de propostas.

Segundo Costa, às vezes os documentos iam para as empreiteiras assinarem depois. Apesar disso, as atas de licitação tinham atestado, dos funcionários do estado, de que todos os representantes de empresas estavam presentes no ato, inclusive de Costa.

O funcionário também informou ter ficado sabendo de casos em que o serviço era feito primeiro e depois se montava a licitação, para realizar o pagamento.

Questionado pelo MP-SC se poderia citar um caso em que isso aconteceu, disse que não podia informar com precisão, “mas tinha ouvido falar disso”.

Atribuiu os comentários a colegas da SDR, sobretudo Doloana de Mello, que trabalha no setor de Licitações da regional, cargo que ocupa desde 2009.

Doloana relatou à Promotoria o que considera ilegalidades praticadas pelo ex-secretário Jones Bosio, enquanto esteve no cargo. Ela citou, por exemplo, que ele não permitia que os editais fossem publicados na internet, no portal de compras do governo, para serem publicizados.

Vídeo: Doloana, funcionária da ADR, fala sobre procedimentos nas licitações

É dela a afirmação, utilizada como uma das bases da acusação de direcionamento de licitação à Múltiplos, de que Bosio determinava a entrega dos convites somente à empresa, para que esta se encarregasse de providenciar as demais empresas convidadas.

Doloana afirma que, por não concordar com a forma que estavam sendo conduzidas essas licitações, pediu para deixar a comissão em 2014, embora ainda trabalhe no setor, na elaboração de editais, por exemplo.

“O problema era de não colocar na internet [os editais]. A gente percebia um certo direcionamento das empresas. Fizemos um termo para que ele deixasse claro que não queria colocar na internet. Ele se negou a assinar, falou: vamos deixar assim, senão estou assinando minha própria sentença”, relata a funcionária.

Esse documento, a qual O Município teve acesso a uma cópia, foi registrado no sistema da Secretaria de Estado da Administração, como forma dos funcionários se eximirem de eventual culpa pela falta de publicidade das licitações na modalidade convite.

“A medida em que a gente foi percebendo que existia um certo direcionamento, a gente começou a se recusar a fazer. A gente nem mais por e-mail fazia”, diz a funcionária, ao explicar que, após não concordar com a condução dos processos, delegaram o envio de convites ao próprio secretário e pessoas da sua confiança.

“Geralmente ele mandava encaminhar só para a Múltiplos, todos os convites. Ele mandava entregar, os outros dois ele nunca mandava entregar. Com o tempo a gente foi percebendo e passou a não encaminhar. A gente viu que estava tendo um direcionamento, que estava errado”.

Funcionárias do setor de Licitações elaboraram um documento no qual o secretário assumia a responsabilidade pela não publicação dos editais na internet; ele se negou a assiná-los | Foto: Reprodução

Doloana confirmou ao Ministério Público as declarações que haviam lhe sido atribuídas pelo funcionário Sílvio da Costa: serviços eram feitos antes dos processos licitatórios.

“A gente percebia, em alguma coisa de serviço, que se tinha que arrumar alguma coisa, já estavam arrumando, e depois traziam a documentação para fazer a licitação”.

Evandro Flora, ex-gerente da ADR, confirmou em depoimento que o próprio secretário fazia a maioria dos contatos para as licitações na modalidade convite.

Afirmou que Bosio trabalhava com terraplanagem e, por isso, tinha o contato das empresas, o que agilizava o processo.

Procedimentos não ortodoxos nas licitações da SDR também foram notados pelo atual secretário da pasta, Ewaldo Ristow Filho, o qual também prestou depoimento. Ele afirmou à Promotoria que observou, ao assumir o cargo, coisas que não foram bem assimiladas.


Números da investigação

Mais de 5 mil páginas em documentos
33 depoimentos tomados
10 horas de gravação de depoimentos
Cerca de 8 meses de investigação


Ristow Filho disse, por exemplo, que achou estranho o fato de que empresas tenham emitido atestados de capacidade técnica umas para as outras, em um mesmo grupo.

“Embora nada impeça, é meio caminho para deixar alguma coisa no ar”, disse, no depoimento prestado.

Todos serão intimados a prestar depoimento perante o juiz que conduzirá o processo, quando serão novamente questionados a respeito dos procedimentos.

Outros funcionários da ADR falaram ao Ministério Público, mas todos contaram versões parecidas: não tinham a menor ideia de como assinaturas e propostas falsificadas não foram descobertas pela secretaria regional.

Alguns mostraram desconforto em serem questionados sobre o tema. Uma das funcionárias, por exemplo, pediu para deixar de atuar no setor de Licitações, após ter sido inquirida pelo Ministério Público. A Promotoria, embora tenha detectado irregularidades, não viu nenhum indício de crime por parte dos funcionários, daí o motivo de nenhum deles ter sido denunciado na ação judicial.

Segundo o promotor do caso, os funcionários da ADR não foram denunciados porque, no entender do Ministério Público, “não tinham como resistir à coação de Jones Bosio”.