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Alguns meses antes de morrer, em 26 de novembro de 1980, Nelson Rodrigues, em entrevista ao Jornal Opiniático, perguntado sobre os primeiros anos da sua infância responde: “mesmo considerando o mundo um péssimo anfitrião e a viagem a mais burra das experiências humanas, voltei a Pernambuco na mocidade, retornando à infância e às profundas sensações”.

 

Nos faz pensar!

 

As viagens na vida de Nelson foram marcadas por perdas, idas e vindas, sem sabor de prazer. Sem permissão, o sorriso não foi frequente em suas memórias de viajante. Aos quase cinco anos de idade viaja pela primeira vez com sua família: sem nenhuma posse, abandona Recife. No Rio de Janeiro, as pequenas viagens entre as casas de favor e o novo teto tiveram a face da fuga como fotografia. Os passeios cotidianos registravam:

 

“as vizinhas gordas na janela, fiscalizando os outros moradores, solteironas ressentidas, viúvas tristes, com as pernas amarradas com gazes por causa das varizes. Naquela época os nascimentos eram assistidos por parteiras de confiança e eram feitos em casa. Os velórios também eram feitos em casa, usava-se escarradeira e o banho era de bacia.”

 

Em 1929, seu irmão Roberto é assassinado. Em 1930, falece seu pai.

No ano de 1934, uma crise de tuberculose o faz viajar para Campos de Jordão.

Em 1937, morre Joffre, seu outro irmão .

 

Fora do contexto de sua história, Nelson pode ser lido como: “rabugento”, “pouco otimista em relação a tudo”, “crítico clichê”. Nos permitindo outra ótica, talvez lhe coubesse melhor: “um viajante a contragosto”, relatando suas experiências como “narrador em primeira voz”.

 

“… o mundo um péssimo anfitrião e a viagem a mais burra das experiências humanas…”

 

Na crônica escrita por Renato Essenfelder, “Viajar e descobrir a si próprio”, ele diz:“Viajar é naufragar-se a si. Viajar é não existir, nesse sentido rodrigueano. Otto Lara Resende (…) foi à Escandinávia, chegou lá e não foi olhado por ninguém. Se ele desfilasse nu pela Avenida Central de lá, não teria a observação de um guarda, simplesmente porque o guarda não o olharia. O nosso querido Otto na Escandinávia não foi reconhecido por um mísero bacalhau e ele teve então a sensação de que não existia.”

Neste contexto, Nelson Rodrigues, é afirmado em sua citação.

 

 

mesmo considerando o mundo um péssimo anfitrião e a viagem a mais burra das experiências humanas, voltei a Pernambuco na mocidade, retornando à infância e às profundas sensações”.

 

Prossigamos!

 

É possível que deixamos de existir, quando passamos a viajar. Mas até mesmo quando não “existimos”, “para os outros”, podemos aprender sobre nós mesmos. Longe do lar, as saudades, a distância, podem ensinar o caminho do retorno. Às vezes é necessário “sairmos pelo mundo em busca de quem somos”.

 

Reafirmar ou apagar:

é a incógnita do tempo, da experiência.

 

 

Embora as partidas sejam dolorosas, difíceis, custosas e inquietas

Voltamos, sempre:

Mais cheios do que partimos.

 

 

Méroli Habitzreuter – escritora, pintora e ativista cultural