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Grande Imigração Italiana iniciava há 150 anos em SC, e Brusque foi o primeiro destino
Fluxo migratório foi incentivado pelo contrato Caetano Pinto, que previa a chegada de 100 mil europeus nos anos 1870 e 1880
Há 150 anos, milhares de italianos e tiroleses de língua italiana deixaram a Europa rumo a Santa Catarina, em parte do que ficou conhecido como “a Grande Imigração Italiana”. Foi um movimento organizado, muito maior do que os fluxos migratórios das décadas anteriores, que, por exemplo, originaram a pioneira Colônia Nova Itália em São João Batista, em 1836. As mudanças na demografia e na cultura brasileira foram significativas, e continuariam sendo também depois, na primeira metade do Século XX, causadas por imigrantes não só italianos.
A imigração europeia, projetada e executada pelos governos brasileiros tanto no Império quanto nas primeiras décadas da República, tinha como objetivos não apenas a importação de mão de obra e, principalmente no século XIX, o povoamento de áreas remotas. Tinha também ligação com teorias eugenistas e com os ideários de branqueamento da população brasileira.
Estes eram baseados no que ficou conhecido como racismo “científico”, que esteve em evidência no país no século XIX e na primeira metade do século XX. Ideias de Arthur de Gobineau, Samuel Morton, Paul Broca, Francis Galton e outros tinham grande adesão.
A Itália, recém-unificada, vivia crises de seu novo contexto nacional e também crises do continente europeu naquele período. A transição da produção feudal para o capitalismo, os cercamentos e a concentração de terras dificultavam muito as condições de vida dos pequenos produtores, sujeitos a taxas e aluguéis em lotes reduzidos. Em crise no campo, a população em êxodo rural não encontrava garantias de uma vida melhor nas grandes cidades.
Brusque ainda era chamada de Colônia Itajahy e, desde 1869, teve sua área expandida com a anexação da Colônia Príncipe Dom Pedro. Territórios de Guabiruba, Botuverá, Nova Trento e Gaspar eram parte da mesma colônia. E o impacto foi gigantesco a partir da chegada dos 108 primeiros italianos e tiroleses de língua italiana, em 4 de junho de 1875. Nos anos seguintes, os imigrantes já eram milhares, por meio de uma política estatal repleta de subsídios. Contudo, ao mesmo tempo, era gente demais chegando a um local remoto, com uma estrutura para recepção longe de ser suficiente.
“Os primeiros 108 imigrantes austríaco-tiroleses de língua italiana (trentinos) e italianos, chegaram a Brusque em 4 de junho de 1875. Como em Blumenau os imigrantes de língua italiana chegaram apenas alguns meses depois, mas ainda no ano de 1875, Brusque pode ser considerada o “Berço da Grande Imigração Italiana em Santa Catarina”. O fato não deve ser confundido com o início da imigração italiana em si, pois esta iniciou efetivamente quase quarenta anos antes, em 1836”, destaca a professora, pesquisadora e escritora Rosemari Glatz.
Os “tiroleses de língua italiana” são tiroleses, conhecidos também como trentinos, da região do Trentino-Alto Ádige ou Tirol do Sul. Em suas pesquisas, Rosemari utiliza a expressão “imigrantes austríaco-tiroleses de língua italiana (trentinos)” para denominar os imigrantes com passaporte austríaco e “imigrantes italianos”, para designar os imigrantes que ingressaram com passaporte da Itália. O Tirol do Sul pertencia ao Império Austro-Húngaro na época, e não integrava o território do Reino da Itália, instituído na unificação de 1861.
Existe um debate historiográfico sobre como categorizar os trentinos imigrantes da melhor forma: como italianos ou austríacos. “Eles eram de fala e cultura italiana e eram chamados de trentinos antes daquela época”, defende o sociólogo e doutor em história Renzo Maria Grosselli, em entrevista ao escritor Saulo Adami na minissérie Fratelli Trentini.
Colônia Itajahy
Brusque foi fundada como Colônia Itajahy em 4 de agosto de 1860, após o desmembramento de uma área da Freguesia do Santíssimo Sacramento do Itajahy, cujo território incluía a porção sul da atual Gaspar, o território atual de Guabiruba e a margem esquerda brusquense do rio Itajaí-Mirim. O primeiro diretor da colônia, barão Maximilian von Schneeburg, levou 54 colonos da Vila de Itajahy até Vicente Só, localidade nas proximidades da atual Sociedade Esportiva Bandeirante.
Nos primeiros anos, a população era predominantemente alemã. A Colônia Príncipe Dom Pedro, que englobava territórios brusquenses da margem direita do rio Itajaí-Mirim e os territórios dos atuais municípios de Nova Trento, Vidal Ramos, Botuverá e Presidente Nereu, teve sua administração anexada à Colônia Itajahy em 1869. A colônia chegou a ter um território de aproximadamente 70 mil hectares, tendo Lages, Tijucas, Itajaí e Blumenau como limites.
O contrato Caetano Pinto
O Império planejava povoar o vasto território brasileiro com imigração europeia. As primeiras tentativas datavam ainda da década de 1810, com a vinda da Coroa Portuguesa ao Brasil, sem grande sucesso.
Convencer os europeus era tarefa difícil também nas décadas de 1820 e 1830, pós-independência. A maior parte da população europeia disposta a deixar o continente rumo à América costumava emigrar aos Estados Unidos. O tráfico de escravos foi ilegalizado com a Lei Eusébio de Queiroz em 1850. A ilegalização não impediu totalmente, na prática, o comércio de escravizados, mas a imigração começava a se tornar mais urgente para os latifundiários, especialmente cafeicultores do Sudeste.
A partir de 1855, o Governo Imperial, em parceria com os governos provinciais, começou a aplicar incentivos aos grandes fazendeiros de café que conseguissem trazer imigrantes ao Brasil, principalmente ao Sudeste. Contudo, o fato de ser um país ainda escravocrata desanimava os potenciais imigrantes, que não chegaram em grande número. Sem garantias reais de que trabalhariam nas grandes fazendas sem passar por escravidão ou condições análogas, outros destinos eram mais atrativos.
O caso do Sul era diferente do Sudeste, onde as grandes fazendas de café eram muito fortes. No Sul, a ideia não tinha foco na importação de mão de obra para trabalhar nas grandes fazendas, como em São Paulo, por exemplo. A questão a ser solucionada era a ocupação e a colonização de território não explorado ou pouco explorado. O Vale do Itajaí-Mirim era exemplo desta necessidade.
Na intenção de iniciar uma onda migratória sem as frustrações das décadas anteriores, o Império do Brasil e o empresário Joaquim Caetano Pinto Júnior assinaram o decreto 5.663 em 17 de junho de 1874. É o que ficou conhecido como contrato Caetano Pinto.
Em resumo, Caetano Pinto comprometia-se a trazer 100 mil imigrantes ao Brasil num prazo de dez anos. As nacionalidades eram especificadas no contrato: alemães, austríacos, suíços, italianos do norte, bascos, belgas, suecos, dinamarqueses e franceses. Precisavam ser “agricultores, sadios, laboriosos e moralizados, nunca menores de 2 anos, nem maiores de 45”, salvo se fossem chefes de família. Desses imigrantes, 20% poderiam pertencer a outras profissões.
Foi neste contexto que foi iniciada a Grande Imigração Italiana em território brusquense, um ano após a assinatura do contrato Caetano Pinto. Os primeiros imigrantes italianos e tiroleses de língua italiana chegaram à Colônia Itajahy com muitos benefícios e vantagens garantidos nos acordos de imigração, mas não puderam dar início imediato aos seus trabalhos e novas vidas. Lotes ainda não demarcados, fluxo migratório elevado, cortes de benefícios e estrutura muito precária para acolhimento estavam à espera.
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Kai-Fáh: Luciano Hang foi dono de bar em Brusque, onde conheceu sua esposa: