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Haitianos vêm a Brusque em busca de uma vida melhor

Associação criada há seis meses tem 80 imigrantes registrados; chegam pelo menos dois novos a cada semana

Em janeiro de 2010, um terremoto de magnitude 7 na escala Richter devastou Porto Príncipe, capital do Haiti. A catástrofe matou 300 mil pessoas e deixou 1,5 milhão de desabrigados. O país, que antes dos abalos sísmicos já enfrentava crises políticas e econômicas, afundou de vez. Com isto, muitos haitianos abandonaram as origens e desembarcaram no Brasil.

No final de 2011, a imigração se intensificou e o país começou a receber milhares de haitianos dia após dia. Devido às oportunidades empregatícias, o sul tornou-se um dos destinos favoritos. O litoral norte catarinense é um exemplo. Lá, residem, informalmente – sem cadastro e visto -, cerca de quatro mil haitianos, segundo a professora do curso de Relações Internacionais da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Giselda Cherem.

Mesmo que o terremoto e as chances de uma vida melhor tenham causado a recente imigração em massa, os estrangeiros escolhem o Brasil em função dos 10 anos da presença brasileira em solo haitiano. É o que afirma Giselda. A Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti leva, anualmente, militares de brasileiros para auxiliar em missões de paz e no desenvolvimento institucional e econômico do país.

“Com os anos de missões em que o Brasil esteve e ainda está presente, os haitianos foram conhecendo um pouco do país e isso acabou virando referência para muitos deles. Então, quando o terremoto aconteceu, eles olharam para o nosso país como o local ideal para se reerguerem e fugirem da crise”, explica.

Quanto ao aumento da população imigrante em Santa Catarina, a professora diz que o estopim foi há dois anos quando empresas das áreas de comércio exterior foram ao norte do Brasil em busca da mão de obra haitiana. Com a chegada dos primeiros estrangeiros ao estado, e estimuladas pelo comércio exterior, as empresas de outras áreas também abriram as portas aos imigrantes.

“Os haitianos perceberam que aqui no Sul as chances de emprego e a qualidade de vida são boas e começaram a repassar essa informação uns para os outros. Além da questão da ONU, isso também incentivou a vinda deles para Santa Catarina especificamente. Eles acabam incentivando os que estão em outros estados do Brasil a se mudarem para cá”, afirma a professora.

A Delegacia da Polícia Federal em Itajaí atende cerca de 80 haitianos por dia. No local, os imigrantes podem formalizar pedido de refúgio e prorrogar a permanência. A Associação dos haitianos e Amigos de Brusque possui 80 imigrantes cadastrados, trabalhando em empresas locais. Criada com o intuito de auxiliá-los nas questões jurídicas e sociais, a entidade existe há seis meses e atua com 10 voluntários. Priscila Miglioli, uma das idealizadoras, explica que os haitianos chegam ao município com poucos documentos e poucas roupas e com dificuldade de se comunicar.
“Eles buscam aqui na cidade uma oportunidade de trabalho onde possam juntar dinheiro para enviar aos seus familiares no Haiti e também para futuramente poder trazer suas famílias para cá”, afirma a auxiliar administrativo, “mais nem sempre é fácil, pois para isso precisam enfrentar a barreira do idioma inicialmente”.

O idioma oficial do país é o crioulo, o segundo é o francês e alguns deles também falam espanhol e inglês. Mesmo com o leque de opções, a comunicação com os brasileiros é complexa. “O idioma é uma questão onde queremos trabalhar com bastante ênfase na associação. A intenção é disponibilizar aos haitianos e outros imigrantes de língua francesa um recurso básico de fácil compreensão do português”.

Embora o desejo seja dispor de aulas aos imigrantes, a questão financeira pesa. Por enquanto, a entidade e os haitianos não têm recursos suficientes para arcar com o material e os professores periodicamente. Porém, um primeiro passo será dado no próximo final de semana, quando o haitiano Leonel Joseph, presidente da associação de haitianos de Navegantes, virá a Brusque para ministrar a primeira aula de português.
“As outras associações, como a de Navegantes, servem de inspiração para o que fazemos aqui. Então, entramos em contato com o Joseph e ele vai nos auxiliar e nos orientar sobre a entidade. E para a aula de português, ele trará um primeiro material didático. Nesse dia vamos discutir sobre a continuidade das aulas, vamos eleger os voluntários que vão nos ajudar a administrar o material de Leonel, e vamos pensar na questão financeira, ainda temos muita coisa pela frente”.

Um dos mais empolgados com o primeiro curso de português é Wilson Jean Baptiste. O auxiliar de pátio chegou a Brusque em novembro do ano passado e desde lá não desgrudou de um pequeno dicionário Francês/Português. O haitiano não vê a hora de aprender fluentemente o idioma. “O português não é difícil de aprender, por isso precisamos de aulas”, diz.

Wilson, assim como a maioria dos haitianos, veio ao Brasil em busca de trabalho. Pelas condições precárias de vida enfrentadas pela família no Haiti, o auxiliar de pátio envia mensalmente uma quantia em dinheiro para o pai, para a mãe e para a esposa. Há pouco mais de três meses, o irmão de Wilson, Aewens Jean Baptiste, também desembarcou em Brusque. “É muito bom ter a família por perto. Assim que eu conseguir juntar dinheiro, vou trazer a minha esposa”.
Perspectiva de vida

A professora Meire Anne Hoeppers Ruiz, uma das voluntárias da associação, afirma que a vinda do presidente da associação de Navegantes é um passo importante para ampliar os projetos e as funções da associação brusquense. Meire é formada em história e planeja fazer a dissertação do mestrado sobre a imigração haitiana com ênfase nas comunidades de Brusque e de Navegantes.

“No meu entendimento, eles vêm ao Brasil por perspectiva de vida, eles falam que por mais que possam estudar no Haiti, lá não há possibilidade de crescer. Vemos que alguns são qualificados mas não tem perspectiva de trabalho e de conhecimento, e o sul do Brasil tem esse significado. Pesquisando, eu vi que os haitianos que começaram a chegar aqui em 2012 chamavam o sul de “sul maravilha” porque era a região da perspectiva, do futuro”, conta.

Por mais que os haitianos aprovem o sul e tenham encontrado aqui esperanças de um futuro melhor, a professora já testemunhou alguns deles dizendo que pensam em retornar ao Haiti. A ideia seria, após a estabilização financeira no Brasil, voltar às origens para ajudar o país a se reerguer. “Eles têm uma fé muito grande de que tudo vai dar certo e essa fé os guia. É uma característica muito forte deles”, observa.

Serdieu quer cursar engenharia ou contabilidade
Morador da cidade de Thomassique, Serdieu Deserne, de 31 anos, se dirigia todos dias a Porto Príncipe para trabalhar como diretor de uma escola. Em 12 de janeiro de 2010, data do terremoto, ele trabalhava enquanto o país entrava em colapso. Dentro da escola, o haitiano não sentiu os tremores, no entanto, avistou pelas janelas a cidade tomada pela poeira causada pelos desmoronamentos. “Quando acabou o expediente, eu saí caminhando pela rua e vi tudo destruído e vi muitas pessoas mortas pelo chão. Foi muito triste”, relembra.

Como a destruição provocada pelo terremoto transformou o país, Serdieu mudou-se para Santo Domingo, capital da República Dominicana. Lá, trabalhou como pintor e conheceu o também haitiano Eddy Dorleus. Insatisfeitos com o salário e com a falta de perspectiva no trabalho, ambos resolveram tentar a sorte no Brasil. Serdieu deixou a mãe, a esposa e o filho no Haiti com a promessa de trazê-los à América do Sul assim que as condições financeiras permitissem.

Ele chegou a Brusque em 8 de novembro do ano passado acompanhado por outros três haitianos – Wilson Jean Baptiste [citado anteriormente], Eddy Dorleus e Esaie Destim. Aqui, os quatros imigrantes logo começaram a trabalhar como ajudantes de pátio na empresa Soferro. Serdiu pretende continuar morando no país, entretanto, sente-se desconfortável por estar afastado dos estudos. O sonho do ex-pintor e ex-diretor de escola é cursar engenharia ou contabilidade. No Brasil, o diploma de 2º grau completo conquistado no Haiti não é válido, e o haitiano precisará fazer um supletivo para, posteriormente, conseguir ingressar na faculdade.

“Lá, eu aproveitava sempre cada momento disponível no dia para estudar, pois para mim o estudo é tudo, significa muito, e aqui estou me sentindo estranho sem estudar, parece que esta faltando algo em minha vida, parte de mim, sinto como se estivesse ficando doente, sinto muita falta. Quero muito fazer faculdade, mas antes preciso ter aulas de português e dominar o idioma. O português é muito difícil, mas não vou desistir”, assegura.

Eddy trouxe a esposa, depois de um ano e três meses longe
O sorriso de orelha a orelha deixa transparecer a alegria de dever cumprido. Depois de 11 meses trabalhando em Brusque e cerca de um ano e três meses longe, o auxiliar de pátio Eddy Dorleus, de 30 anos, conseguiu juntar os R$ 7 mil necessários para a vinda da esposa Nerline Dorleus Douillon, de 22 anos. Ela chegou em Brusque na última quarta-feira.”Agora vai começar a minha vida do zero, estou sem dinheiro, o Eddy está zerado”, brinca, “mas vou me reerguer com ela. Fiquei muito feliz com a chegada e agora será vida nova. Aqui tem mais oportunidades. Por isso eu vim e quis trazer ela”.

As oportunidades empregatícias oferecidas pelo município se contrastam com um lado obscuro: o do preconceito. Eddy conta que por causa da cor da pele já percebeu que as pessoas o tratam de forma diferente em determinados lugares. Mesmo assim, segundo ele, o racismo não está presente apenas em Brusque: ocorre em todas as partes do planeta. “Algumas pessoas gostam dos negros e outras não. Eu fico triste com essa distinção, mas fazer o quê?”, questiona.

O preconceito não afasta o sorriso do haitiano, porém, quando o assunto pula para o terremoto que abalou o país, Eddy esconde os dentes, encolhe os ombros e resume: “Não gosto de lembrar, vi pilhas e pilhas de pessoas mortas.

Quero que aquilo tudo se apague, foi um pesadelo”. Na época, ele morava na República Dominicana e visitava os pais nas férias de final de ano. Ele presenciou os tremores enquanto embarcava de volta a Santo Domingo. Ao lado da esposa e ansioso para pintar a casa em que irá morar no bairro Santa Rita, Eddy afasta as más lembranças e repete: “a partir de agora, é vida nova”.

O Haiti

País da América Central com 10 milhões de habitantes, o Haiti tem 27.750 km² de área territorial. É considerado um dos países mais pobres do mundo e foi a primeira república negra a declarar a independência por volta de 1800.

A associação brusquense

Criada há seis meses com o objetivo de prestar auxílio jurídico e social aos imigrantes, a Associação dos haitianos e Amigos de Brusque é composta por 10 voluntários. Através de campanhas sociais, a entidade busca doações de camas, utensílios para casa, roupa de cama, cobertores, roupas, mesas, cadeiras, armários de cozinha, roupeiros e sofás.

“Eu tive o primeiro contato com os haitianos através da empresa Soferro, porque eles alugaram duas residências no mesmo endereço em que minha mãe e eu moramos. Na casa da frente residem hoje seis haitianos e a dos fundos quatro. Com esse contato, nós percebemos as dificuldades que eles passavam aqui em Brusque, principalmente com o idioma, e eles contaram que outros haitianos também residiam aqui e que chegam pelo menos dois novos toda a semana. Então, nós nos solidarizamos com eles e resolvemos criar a associação para ajudá-los e orientá-los”, explica Priscila Miglioli, uma das idealizadoras da entidade.

Atualmente, a entidade está estudando e elegendo as prioridades e finalidades – viabilizar cursos técnicos, formação, aulas, etc – para acabar de elaborar o Estatuto da Associação dos Haitianos e Amigos de Brusque. Com isso, os voluntários poderão conquistar o CNPJ e anunciar a convocação da formação do organograma – presidência e secretários. A entidade recebe doações através da página no facebook (Associação dos Haitianos e Amigos de Brusque) ou através do e-mail haitianosbrusque@gmail.com.

O visto

Há duas formas de os haitianos ingressarem no Brasil. Uma é através da solicitação de refúgio em um posto da Polícia Federal à autoridade migratória da fronteira – no Acre, por exemplo. Segundo as voluntárias da associação, o meio é mais barato, mas é arriscado e depende de autorização do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), que analisa as condições do solicitante. E a outra forma é através de visto permanente de caráter especial, com duração de cinco anos – mas prorrogável de cinco em cinco anos – que pode ser expedido tanto na embaixada brasileira do Haiti quanto na de Quito, no Equador. Enquanto a solicitação de refúgio é gratuita, o visto custa cerca de R$ 500,00. Para prorrogar, os haitianos devem se dirigir a um posto da Polícia Federal e comprovar emprego e renda.