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História: dossiê da época da ditadura aponta tentativa de censurar jornal de Brusque

Jornalista relembra período em que era visitado por autoridades de segurança federais

Os resquícios da época da Ditadura Militar no Brasil no município de Brusque se fazem presentes em memórias e documentos. O Arquivo Nacional, órgão pertencente ao Ministério da Justiça e Segurança Pública e que tem como objetivo preservar documentos da administração pública federal, resgata fatos antigos que aconteciam no Brasil, incluindo no período do regime militar.

Documentos apontam pedidos de monitoramento de “atividades subversivas” por parte de opositores ao regime em Brusque. Era solicitado, ainda, censura contra um jornal local por críticas às autoridades estaduais e federais. Os documentos eram confidenciais e tiveram sigilo quebrado ao longo dos anos.

Governador pedia censura de jornal de Brusque

Em 4 de maio de 1978, o então governador de Santa Catarina Antônio Carlos Konder Reis (Arena) enviou ao gabinete do ministro da Justiça Armando Ribeiro Falcão uma denúncia de “abusos, excessos e pregação subversiva de um semanário”. Este semanário, de circulação nas principais cidades do estado, incluindo a capital Florianópolis, se tratava do antigo jornal Tribuna de Brusque.

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O jornalista que assinava as matérias era Sérgio Lino, que foi repórter e editor da Tribuna de Brusque. Atualmente, ele está com 77 anos e mora no interior de Santa Catarina. A Polícia Federal e outros órgãos de segurança à época, como o Serviço Nacional de Informações (SNI), chegaram a visitar o jornalista no período em que o jornal e suas atividades eram monitoradas.

Um dossiê de 90 páginas a qual a reportagem de O Município teve acesso revela a tentativa de censurar o jornal brusquense. Além de o semanário fazer críticas ao governador catarinense, confrontava, também, as autoridades federais. Em um dos trechos consta uma das matérias que desagradaram os adeptos da ditadura, principalmente Konder Reis.

“Faleceu na manhã do dia 26 de abril de 1978, às 8 horas, vítima do ‘plasmodium corruptus vivax’, a Dona Democracia Brasileira; viúva há 14 anos. Deixa como filhos cinco granjeiros, todos residentes em Brasília”, consta no documento. O parágrafo se refere a capa do semanário na edição do dia 28 de abril de 1978. A “nota de falecimento da democracia”, uma sátira criticando a ditadura, descontentou o então governador, o que motivou a denúncia ao ministério.

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Relatos

Sérgio Lino relembra o pedido do então governador. Porém, apesar de sofrer a tentativa de censura por meio da denúncia, ele afirma que nunca fizeram nada com ele, e disse, inclusive, que era respeitado pelas autoridades. O jornalista contou também o dia que o comandante do batalhão do Exército de Blumenau à época quis conhecê-lo.

“[A censura] foi um pedido dele (Konder Reis), mas nunca fizeram nada comigo, sempre me respeitaram. Teve um dia até que o comandante do Exército de Blumenau veio fazer em Brusque uma ‘inspeção’ para pegar o pessoal para servir o Exército. Ele ficou um dia em Brusque e almoçou no Paysandú, e mandou o jipe do Exército me buscar na redação porque ele queria me conhecer. Sempre fui bem tratado por este pessoal”, conta.

O governador que fez o pedido de censura, apesar de ser criticado pelo jornal, alegava no documento que o problema maior não se tratava dos ataques às autoridades estaduais, mas, sim, federais. Para que as críticas, classificadas pelo governador como “calúnias”, cessassem, era solicitado que o jornal fosse censurado.

“Entendo que as reiteradas calúnias contra as mais altas autoridades federais repetidamente mencionadas como “os cinco granjeiros do Planalto” não deveriam se repetir impunemente (…) fato que, estou certo, ocorrerá, se Vossa Excelência não incluir esse semanário entre os órgãos de imprensa sujeitos a censura prévia”, consta no documento enviado pelo governador ao ministro.

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“O medo nada resolve”

Apesar do pedido de censura e intenso monitoramento, Sérgio Lino afirma que não tinha medo, justificando que “o medo nada resolve”. O jornalista, que já foi diretor de teatro, conta, na verdade, que tudo começou em 1972, quando ficou com o nome marcado pelas autoridades federais, o que veio a prejudicá-lo quando atuou como repórter e editor.

“As perseguições que tive começaram já na época do teatro, em 1972, quando fui diretor. Fui premiado a nível Brasil e Santa Catarina, pois os teatros que montei ficaram famosos. Uma vez até saí preso do teatro. Quando fui para Brusque tocar os jornais, já estava fichado na Polícia Federal, então este que foi o problema. Sempre houve uma perseguição, não só ao jornalista Sérgio Lino, mas, também, ao diretor de teatro Sérgio Lino”, relembra.

A denúncia que pedia censura do jornal, que passou nas mãos de vários assistentes jurídicos, foi arquivada. O Ministério da Justiça à época entendeu inexistência de crime contra a segurança nacional. O documento final é assinado pelo então ministro Armando Ribeiro Falcão.

Autorização de letras de música

Outros documentos preservados pelo Arquivo Nacional mostram, também, que músicas enviadas por artistas de Brusque tinham que ser aprovadas. As músicas do autor brusquense Eduardo Artur, por exemplo, foram encaminhadas ao chefe do Serviço de Censura de Diversões Públicas.

No documento em questão estava escrito: “encaminhamos a Vossa Excelência, para fins de censura, as letras musicais”. Em seguida constava os nomes das músicas. Neste caso, porém, todas foram aprovadas.


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