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Hugh Hefner, machista ou libertador?

Quando uma pessoa é polêmica, ela é polêmica até quando morre. É inevitável. Hugh Hefner morreu aos 91 anos, idade suficiente para, inclusive, ter se tornado irrelevante. Mas sempre polêmico. Entre os vários comentários sobre a morte do criador da Playboy, duas linhas ficaram bem claras: os que destacaram o papel do editor na mudança de costumes que marcou a segunda metade do século XX, especialmente em termos de liberação sexual… e os que preferiram creditar a ele a invenção da mulher objeto moderna: a mulher pelada de revista.

É complicado. Não dá para dizer que revista “masculina” empondere as moças que a habitam. Ou será que dá? Será que as moças estão exercendo um direito à nudez, que passa batido por quem só as enxerga como objeto da fantasia dos onanistas?

Nudez. Quem diria que, em plena segunda década deste século, a gente estaria discutindo algo que parecia ter sido resolvido nos anos 60 e 70 do século anterior. Toda a arte, todo o teatro, todo o Hair, tudo demolido pela nova mentalidade  tacanha que parece estar ganhando espaço demais no mundo. Os bons costumes e os valores milenares, que pareciam conformados em dividir espaço com atitudes e pensamentos diferentes, reivindicam, mais uma vez, o domínio de tudo. De tudo. O sonho de consumo de seus representantes sempre foi calar a boca dos discordantes – e isso agora fica evidente nas novas formas de censura por pressão. Não vi e não gostei da exposição? Faço escândalo até que a empresa responsável por ela resolva se acovardar, por uma questão de marketing. Vale ameaçar as pessoas. Vale questionar a mãe que não viu nada de errado em levar a filha a uma outra exposição, onde havia um homem nu. Os representantes dos bons costumes berram “a menina tocou no homem” como se tivesse tido algo de cunho sexual. Ela tocou a mão. O pé. Crime? Pecado? Quando os representantes da ordem vão atacar as praias naturistas? Ou aí a mídia não estaria tão presente e a ação não teria a mesma eficiência, de novo, marqueteira?

Mas vamos voltar a Hugh Hefner. Um fato que foi trazido à tona, com a sua morte: o programa de TV que ele apresentou entre 1959 e 1961, o Playboy Penthouse, que simulava festas em seu apartamento, foi pioneiro em levar artistas negros “misturados” aos convidados, a elite branca. Ella Fitzgerald, Nat King Cole, Nina Simone e Sammy Davis Jr estiveram lá. Quebrar padrões raciais, quebrar padrões dos “bons costumes”… não dá para dizer que ele não teve um papel libertador, em uma época em que libertadores fizeram toda a diferença.

Depois… depois é a caricatura. O robe, as coelhinhas, os realities, a mansão, os noivados, as festas estreladas. Autoindulgência para ricos, belos e famosos. Mulheres que preferem ser troféu. Homens que preferem pagar pela felicidade glamourosa e viciante. Ou será que agora sou eu quem está pegando os “bons costumes” no colo e as pessoas têm o direito de escolher também esse estilo de vida? Provavelmente.

Se fica uma lição? Sempre fica. No mínimo, a de que o ser humano é mais complexo do que os rótulos fáceis que tentamos colar nele. Que mesmo o “dono da Playboy” teve um papel que foi além da cultura da mulher pelada.

E que ainda temos medo da nudez. Somos todos ridículos?

P.S. Já estão noticiando um filme contando a história de Hef. E quem é o ator que deve fazer o papel dele? O onipresente e nem tão confiável Jared Leto. Putz.


Claudia Bia
– jornalista cheia de roupa e de aspas.