Imigrantes em Brusque têm dificuldades em sacar auxílio emergencial
Caixa Econômica Federal pede documento cuja necessidade é dispensada pela Defensoria Pública da União
Caixa Econômica Federal pede documento cuja necessidade é dispensada pela Defensoria Pública da União
Muitos estrangeiros que vivem em Brusque e têm direito ao auxílio emergencial durante a pandemia de Covid-19 não conseguem retirá-lo nas agências da Caixa Econômica Federal por não possuírem o Registro Nacional de Estrangeiro (RNE), documento de identificação com foto que o banco requer para o saque.
A Defensoria Pública da União (DPU) chegou a emitir ofício circular ainda em abril, requerendo a gerentes da Caixa e dos Correios que o pagamento seja efetuado com outros documentos. A situação se repete em outros municípios pelo Brasil.
O RNE é o principal documento exigido pela Caixa Econômica Federal para pagar o auxílio aos estrangeiros, mas ofício circular da DPU, atualizado em 4 de junho, requer o pagamento das verbas de auxílio emergencial.
Para isto, é necessária a apresentação de documentos de identificação emitidos no Brasil ou em seus países de origem, como passaporte ou cédula de identidade, sem precisar apresentar documentos brasileiros com foto ou que comprovem a regularização migratória.
Em 27 de julho, a reportagem de O Município entrou em contato com a Caixa Econômica Federal para verificar os requisitos de saque do auxílio emergencial para estrangeiros e os motivos da obrigatoriedade do RNE. A resposta é de que a Caixa aceita, além do RNE, o Protocolo de Solicitação de Reconhecimento da Condição de Refugiado e a Carteira de Registro Nacional Migratório (CRNM), sendo estes os documentos emitidos em território brasileiro. Do contrário o banco não tem como realizar o controle e a identificação.
Ainda de acordo com a Caixa, estrangeiros que tenham acesso ao aplicativo Caixa Tem podem realizar transações e pagamentos.
O agravante está no fato de que a entrega regular de Passaporte, (CRNM) e o Documento Provisório de Registro Nacional Migratório (DPRNM) está suspensa enquanto perdurar o estado de emergência em função da pandemia. Demandas de atendimentos excepcionais na área de imigração podem ser submetidas pelos requerentes por e-mail à Unidade da região, no caso de Brusque, a unidade de Itajaí: [email protected]. Este e-mail também pode ser usado para a expedição de certidões esclarecendo as restrições de atendimento e a suspensão de todos os prazos migratórios.
Carmen* é uma das venezuelanas que teve auxílio emergencial aprovado, mas não pôde sacar. A administradora, que prefere não se identificar na reportagem, conta que chegou ao Brasil por Roraima com a filha de três anos e o marido em janeiro de 2020, e pelo processo de transferência ao interior do país, chegaram a Brusque.
Com a regularização feita em Roraima, Carmen veio a Brusque com a família, aguardando a retirada do RNE na delegacia da Polícia Federal em Itajaí. O marido logo conseguiu emprego, mas assim que a pandemia teve início, ele foi demitido, por não ter carteira de trabalho. Com a pandemia, os RNEs, que já estão prontos, não puderam ser retirados, com as mudanças de horários no atendimento e restrições.
Sendo o RNE o único documento que não possui, a família de Carmen não pôde sacar o auxílio emergencial. Carmen chegou a registrar boletim de ocorrência, tendo como argumento a requisição da DPU. Em uma das duas ocasiões em que tentou o saque, conseguiu, depois de argumentar no atendimento.
“Me disseram que seria a única vez. Eu sou administradora, entendo como funcionam os bancos, os procedimentos, e acho que poderiam ter me ajudado mais, talvez com um pouco mais de vontade.”
Beatriz* passa por situação semelhante. Além dos documentos venezuelanos, possui um emitido no Brasil, que atesta o estado de refugiada, e tem CPF brasileiro. Para se manter, ela é vendedora ambulante de panos de prato. Veio com 11 familiares ao Brasil, e lembra que ainda luta para ajudar parentes que ficaram na terra natal.
“Estamos passando muitas dificuldades para pagarmos as contas, mesmo com ajudas muito importantes, tanto de brasileiros que conhecemos quanto de igrejas. Não sabemos mais o que fazer para podermos receber este dinheiro.”
A importância do auxílio emergencial, nestes casos, vai além da compra de comida e roupas. Com doações recorrentes destes itens, que resolvem em partes a necessidade das famílias, o dinheiro é essencial para poder pagar contas da casa, como aluguel, luz e gás de cozinha.
O pastor venezuelano Bladimir Rodríguez presta apoio às famílias por meio da igreja Batista. De acordo com seus registros, são 23 famílias venezuelanas em Brusque e região, totalizando mais de 100 pessoas.
Quase todas possuem dificuldades em pagar o aluguel e cerca de 60% ou um único membro (o pai ou a mãe) conseguiram trabalho. Há também famílias lideradas por mães solteiras.
O projeto de lei (PL) 2699/2020, assinado por deputados federais do PSOL, visa regularizar a situação de refugiados e imigrantes no contexto da pandemia. De acordo com o artigo 5º o governo federal expediria instrução em caráter de máxima urgência para que passaportes e documentos de identificação estrangeiros sejam aceitos pela Caixa Econômica Federal, pelos Correios e demais instituições autorizadas a realizar o pagamento do auxílio emergencial. O projeto ainda tramita na Câmara.
*Nome fictício.