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Isso é coisa de criança

– O que tem no centro da terra?

– É muito quente, que eu lembre. Talvez como lava. Por quê?

– Pra saber.

– Alguém perguntou? Ouviu em algum lugar? No colégio?

– Não, mãe. Só pra saber.

– Hum… quer saber mais? Pra brincar, é isso?

– Não. Tá, quero. Mas só pra saber, mesmo.

Lá ele se mandou, para frente da Barsa do século 21 e googou as imagens.

– É bem quente, mãe.

– Deixa eu ver.

– Mãe, como eles sabem que é assim? Quem tentar chegar lá pra ver se queima todo, né?

– Na verdade, os cientistas imaginam que seja assim. Eles pesquisam e vão montando tipo um quebra cabeça, até dá uma ideia de como é.

– Pra que eles têm que descobrir isso?

(risos) – Ah! Eles têm a mesma vontade que você, filho. Só pra saber. Desejar conhecer mais sobre alguma coisa costuma brotar da fome, do frio, do sono. Frutos também nascem de nossas vontades sociais, quando ao nos relacionarmos encontramos prazer na manutenção dos laços que exigem a complexa compreensão das hierarquias, das trocas, do sobreviver entre ser um indivíduo – egoísta – e solidarizar-se em nome do grupo – altruísta. Mas, o saber pelo saber, este é nutrido pelo estranhamento diante do mundo sem qualquer garantia, aparentemente.

É só pra saber, mesmo… Pois nos encanta, nos faz perceber a ligação dos pontos, interpretar nossa condição. Como a arte. Longe de mim arriscar conceituá-la, embora eu tenha dezenas de vezes me dado conta da inutilidade de coisas que me emocionam mais que água ou cobertores – talvez por tê-los. É inútil dançar por dançar – desconsidero aqui os que julgam a dança como manutenção do corpo para o trabalho; é inútil admirar uma tela – desconsidero aqui a venda das tintas e tudo mais que alimenta o escambo de arte e capital; é inútil ouvir poesia, é inútil correr atrás de uma bola, é inútil saber o que existe no centro da terra. É a inutilidade que nos comove quando primeiras necessidades estejam cumpridas.

O “só pra saber” nos humaniza.

 

Karline Beber Branco – mãe e professora.