Conversas Caninas: Corleone
Na avenida Brasil, as duas idosas cruzaram as trelas dos seus fiéis companheiros de caminhada matinal. Os cães, essas bengalas andantes da velhice moderna, dois poodles de fitinhas nas cabeças, blusinhas contra o frio, partiram para a operação reconhecimento, focinho com focinho, cheirando-se um a outro, os rabos abanando amistosamente.
Logo, pareciam velhos amigos a saltitar um contra o outro, as patas dianteiras no ar como se estivessem a se abraçar, essa forma de selar amizades caninas. Os latidos amistosos ecoavam sobre a movimentada calçada da avenida transformada em passarela de cachorros de todas as raças.
As donas, agora chamadas de tutoras sem lei nem termo judicial, também se fizeram amigas à primeira vista. Afinal, cachorro é companheiro fiel e ponte de novas amizades. Uma das mulheres não se fez por esperar para perguntar o nome do menino da outra.
— Olha, quando comprei este meu queridinho em Itajaí, ainda estava em dúvida. Mas, eu adoro cinema. Sou da geração áurea da sétima arte, como dizem os que gostam de falar complicado. A gente enfrentava enormes filas de dar a volta no quarteirão, para assistir a um bom filme de prender a atenção do começo ao fim.
— Era uma beleza, aquele tempo em que a gente comprava ingresso e ficava mais de hora de mãos de dadas com o namorado, à espera do início da sessão. Por causa da TV, depois do videocassete e dos CDs, os cinemas foram ficando vazios. Agora, estamos vivendo a onda Netflix e o cinema mudou-se para dentro das nossas casas.
— Fico triste ao ver os antigos cinemas, locais de encontro frequente das pessoas, fechados ou ocupados por igrejas evangélicas. Mas, tudo muda e, neste tempo de internet conduzindo nossas vidas, cinema só nos shoppings, passando filme que quase ninguém assiste.
— Também vivenciei os tempos de ouro do cinema, disse a outra. Depois dos quatorze anos, já podia frequentar as sessões noturnas e não perdia um filme com os galãs franceses e de Hollywood. Eu era apaixonada pelo Charlton Heston. Nunca esqueço as cenas de correr lágrimas do filme Os Dez Mandamentos. Não essa versão evangélica e novelesca feita pela igreja do Edir Macedo. Estou me referindo àquela superprodução de mais de duas horas, que assisti três vezes, para entender bem todo o enredo.
— Mas, deixando de lado o cinema, não me disseste o nome do teu poodle. Afinal, como se chama?
— Pois é, amiga. Como eu ia dizendo, na minha juventude não perdia um bom filme e um dos que amei de paixão foi o Poderoso Chefão. Gostei tanto do primeiro filme, que assisti três vezes. A gente não via passar as três horas de duração. Nunca mais esqueci aquelas cenas da máfia americana. Então, quando cheguei em casa com o meu poodle ainda criança, não tive dúvida para batizá-lo de Corleone, em homenagem ao grande ator norte-americano Marlon Brando.