João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - [email protected]

Conversas de consultório: velho marido

João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - [email protected]

Conversas de consultório: velho marido

João José Leal

Uma paciente idosa – no Brasil, passou dos 60 entra do estatuto dos velhinhos.

– última da agenda daquele final de tarde, reclamou para a secretária sobre a demora da sua consulta. Como sempre, com uma voz cheia de gentileza, a fiel escudeira dos médicos impontuais, procurou justificar o atraso do chefe.

– A senhora sabe como são as coisas, dona Irene. Sempre pode aparecer um imprevisto. O paciente que está sendo atendido tem uma doença complicada. É um grave problema e o dr. Marcelo tem feito de tudo para lhe garantir um bom tratamento. Por isso, está demorando um pouco. Ele nunca deixa o cliente sair sem uma explicação detalhada do diagnóstico. Mas, não deve demorar muito.

– E a sua família, dona Irene? Como estão os seus filhos? Sei que eles são casados e que a senhora já têm bisnetos. Um deles, mora no meu bairro e, de vez em quando, encontro com ele no supermercado E o seu marido, está bem de saúde? Já faz um tempinho que ele não aparece.

– A minha família está bem. O meu marido, como tu sabes, já tem 80 anos. Dizem que, para a idade avançada, ele está muito bem conservado. Então, fica todo contente, sentindo-se um guri. Velho gosta de elogio, de massagem no ego. Mas, não sai dos consultórios. Na agenda do celular só tem número de telefone das clínicas e consultórios médicos. Em Brusque, não tem especialista que ele não tenha consultado. E não fica por aqui.

Ele pensa que os profissionais de outras cidades são melhores e mais avançados na medicina. Então, de vez em quando, lá vai ele pra Blumenau e Itajaí. Até pra Joinville e Curitiba, já foi consultar um médico da próstata. É assim, de tanto procurar vai encontrar uma doença ou a morte na estrada. Quando viajamos, vai uma mala de roupas e uma maleta de remédios.

– Sente um frio doentio. De manhã, mal sai do banheiro e olha o celular para saber do tempo. Basta a previsão anunciar queda da temperatura e ele vai puxando a indumentária de inverno. Meia nos pés, calças e blusa de lã, mantilha no pescoço e um gorro de lã na cabeça, desses usados pelos esquiadores, comprado em São Joaquim. Liga o aquecedor elétrico para assistir a TV e vive dizendo que a velhice é gelada.

– Das dores por todo o corpo, reclama o dia inteiro. De manhã, levanta com uma dor que não sabe bem onde é, se nas costas, na cintura ou no quadril. Até se endireitar e ir ao banheiro, é uma ladainha interminável de lamúrias e palavrões. Já consultou neurologista, ortopedista e médicos especialistas em coluna e reumatismo. Não se conforma porque nada encontram.

– Sei bem quando ele coloca ou tira as meias e os sapatos. Da cozinha ouço aquele grito de dor que ecoa por toda a casa. Até a faxineira já me perguntou o que é que ele tem para gemer tanto.

– Olha, minha filha. Para encurtar a conversa, para ele a velhice parece um barco avariado, fazendo água por todos os lados, sem médico nem remédio para evitar o naufrágio que, mais cedo ou mais tarde vai chegar.

 

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