Conversas Praianas: a compradora de sapatos
Ninguém escapa, sejam muitos ou poucos, dos seus vícios. Também, ninguém gosta de confessá-los. A verdade é que as pessoas sempre procuram dissimular ou disfarçar os seus defeitos e pecados mortais ou veniais, como assim adjetivava a igreja católica, nos tempos em que o catecismo caminhava pela severidade do Velho Testamento hebraico-cristão. No entanto, todas […]
Ninguém escapa, sejam muitos ou poucos, dos seus vícios. Também, ninguém gosta de confessá-los. A verdade é que as pessoas sempre procuram dissimular ou disfarçar os seus defeitos e pecados mortais ou veniais, como assim adjetivava a igreja católica, nos tempos em que o catecismo caminhava pela severidade do Velho Testamento hebraico-cristão.
No entanto, todas regras têm suas exceções. E a conversa de fim de tarde das condôminas do Mares do Atlântico se transformou num confessionário. Quando uma delas abre o peito, a caixa lacrada dos segredos guardados a sete chaves, a conversa se converte numa sessão de terapia grupal. Cada uma se sente a também contar os seus defeitos.
Maria Francisca é daquelas mulheres picada pela serpente do consumismo compulsivo. Gosta de comprar sapatos. Tem tantos pares de calçados que, muitos deles, nunca foram e, talvez, nunca serão usados.
– Olha, quando caminho pela avenida Brasil ou vou a qualquer Shopping, não consigo evitar as lojas de calçados. Entro, provo todas as novidades e compro três, quatro pares de cada vez. Já houve casos de comprar três pares do mesmo sapato, porque fiquei em dúvida sobre a cor mais bonita e também queria combinar com as cores das minhas bolsas.
– Como vocês sabem, os sapatos argentinos são dos melhores, por causa do couro. Uma vez fui a Buenos Aires. O câmbio estava favorável para nós, brasileiros, e eu não saía Florida. Voltei com três malas cheias de sapatos. Naquela época, eu ainda morava em Chapecó. Saía de casa todas as tardes, caminhava pela avenida Getúlio Vargas e não perdia uma festa, só para mostrar os sapatos argentinos.
Nesse tempo de pandemia, tenho passado mal. Fiquei cinco meses confinada no apartamento. O jeito foi comprar pela internet. Mas, não é a mesma coisa do que ver, pegar o sapato na mão, colocar nos pés e dar uma volta na loja, ouvindo o comentário da balconista, dizendo que o sapato calça bem no meu pé. Sempre achei que tenho pés bem feitos e bonitos. Talvez, porisso, tenho essa mania de comprar tanto sapato. Guardo tudo nos guarda-roupas e num quarto que era da minha filha. Estão abarrotados. Quando abro a porta, vem aquele cheiro de couro curtido e velho.
– Meu marido não se segura e diz que eu pareço com aquela tal de Imelda Marcos, que foi primeira-dama das Filipinas. Dizem que tinha mais de 3 mil pares de sapatos, todos comprados com o dinheiro do povo filipino. Ou, então, me chama de Evita Perón, que se dizia mãe dos pobres argentinos, mas gostava de joias preciosas, casacos de pele, vestidos de grife e tinha dezenas de sapatos de luxo.
Faz 15 dias que comecei a botar os pés fora do apartamento. Voltei a visitar as lojas de calçados. Voltaram, também, as brigas com meu marido que me chama de louca. Ontem, me disse que a pandemia deveria continuar. Só assim eu ficaria em casa sem comprar sapatos.