Conversas Praianas: Covid-19 na porta do apartamento
Os estudiosos dizem que os brasileiros abusaram das festas de fim de ano. Agora, a conta indigesta da doença e da morte está sendo cobrada por esse implacável coronavírus, esse misterioso cavaleiro das trevas e do apocalipse. É que as pessoas, parece, cansaram de viver afastadas e estão saindo, cada vez mais, do seu casulo domiciliar. Assim, desde o final do ano passado, as condôminas do Mares do Atlântico voltaram a se reunir para as suas tertúlias, as suas fofocas de final de tarde.
Como sempre, Maria Antônia tem mais uma história para contar às amigas sobre esse maldito vírus.
– Até setembro do ano passado, eu e meu marido ficamos confinados. Só botávamos o pé fora do apartamento quando não tinha outro jeito. Nossos filhos e netos vinham nos visitar, mas só com máscara e álcool nas mãos. Não tenho tanto medo da Covid. Mas, meu marido é obeso e, por cima, diabético. Todas as noites assiste ao Jornal Nacional. No começo, com aquelas cenas das mortes por todo o país, vivia em pânico. Depois de um tempo, ficou mais tranquilo. Mas, diz que não quer morrer asfixiado por essa tal de Covid.
– Agora, tem uma coisa! Se vocês pensam que, lá em casa, nós nos cuidamos demais é porque não foram até a porta do apartamento daquela tal de Roselis, moradora do 908. Ela e o marido é que exageram. Álcool gel na parede; uma dúzia de pares de sapatos, tênis e chinelos; sacolas de supermercado cheias de alimentos; cesta de frutas; roupas penduradas em cabides, ainda com aquela capa de plástico da lavanderia; pacotes de encomendas vindas pelo correio, sacolas de remédios e mais uma barafunda de coisas.
– Tudo em cima de cadeiras, bancos e muita coisa espalhada no chão, logo na saída o elevador. O vizinho do lado reclamou para o síndico. Estava com dificuldade para entrar e sair do seu apartamento. Mas, a Roselis alegou que pandemia é caso de força maior, de vida ou morte, que o marido não pode correr risco e a queixa do vizinho ficou por isso mesmo.
– Encontrei com ela no corredor e perguntei sobre aquele mundaréu de coisas na entrada do seu apartamento. Respondeu que é uma questão de precaução contra da Covid e que todas as coisas só entram no apartamento depois de três dias de quarentena.
– Disse-me, ainda que, desde que a pandemia começou, o marido lava todo o dinheiro com álcool para evitar o perigo de contágio. Não sei se vocês sabem. O marido dela é conhecido no prédio por pagar tudo em dinheiro vivo. Dizem que é para escapar do imposto de renda. Com a pandemia, ele botou na cabeça que as cédulas são as maiores propagadoras do coronavírus. Para mim, são contagiosas porque são notas da sonegação de imposto.
– Dizem que eu falo muito. Mas, ninguém pode negar. Este Mares do Atlântico é um bonde lotado de gente esquisita.