Conversas Praianas: Maria Isabella
Na roda de conversas da turma do Mares do Atlântico, Maria Isabela, moradora do 908, viúva com seus 70 anos já faturados, está contando, tintim por tintim, a história da sua vida, que daria uma boa novela, principalmente, na tela da Globo.
– Amigas, vocês não imaginam como foi a minha vida. Eu era ainda criança de seis anos, quando minha mãe morreu. Pobre, meu pai me colocou num orfanato, em Passo Fundo. Quando tinha 12 anos fui adotada por uma família de Chapecó. Sabem como eram as coisas antigamente. Muitas meninas eram adotadas mais para trabalhar como doméstica do que como filha adotiva de verdade. Foi o meu caso.
– Mas, não guardo mágoa dos pais adotivos. Trabalhei como empregada da casa, mas eles até que foram bons para mim. Uma filha do casal é, até hoje, uma grande amiga. Saíamos juntas para passear, ir à missa e festas. Éramos como irmãs.
– Numa festa de Santo Antônio, padroeiro de Chapecó, daquelas de antigamente, com barraquinhas, quentão, pinhão cozido, fogueira, casamento caipira e serviço de som. Foi então que conheci o meu primeiro e único namorado, filho de um madeireiro de Xanxerê.
Pelo alto-falante, ele me ofereceu a minha música preferida, “Beijinho Doce”. Olha, se foi obra do santo casamenteiro, até hoje não sei. Mas, tempos depois, aos 19 anos, estava aos pés do altar com o Genildo, meu marido até sua morte.
– Com a ajuda do meu sogro, montamos um comércio de madeiras, em São Paulo. No começo, não foi fácil conquistar o mercado. Com o tempo o negócio foi engrenando e, no final, eram de três a cinco caminhões de madeira por semana. Trabalhei que nem escrava, no escritório e, muitas vezes, carregando e descarregando caminhões de tábuas que nem um homem. Mas, valeu a pena. Ganhamos muito dinheiro e deu para formar um bom pé de meia.
– Meu marido queria um filho e eu não conseguia engravidar. Só depois de dez anos descobri que o falhado era ele. Então, concordou com a adoção de uma menina. Vejam a ironia do destino. Eu, que fui adotada, também adotei uma criança, hoje, casada. Infelizmente, com um malandro que só me visitava para pedir dinheiro, até que minha filha se separou.
– Como vocês sabem, há dois anos, meu marido teve um câncer violento que o levou para o cemitério em três meses. Para completar a minha história, nos últimos dias de vida me confessou que, enquanto eu dava duro na madeireira, ele ia pra cama com a vizinha do nosso apartamento, em São Paulo. Era uma das poucas amigas que eu tive naquela cidade tão grande que a gente se sente um grão de areia perdido na multidão.
– Perdoei meu marido. Afinal, estava no fim vida e sou católica. Mas, logo que ele bateu as botas, fiz um luto de 40 dias como antigamente e resolvi aproveitar a liberdade de viúva aos 73 anos. Agora, tenho um motorista que me leva ao mercado, farmácia e a muitos passeios.
Maria Isabela terminou de contar a sua história e estava se retirando quando Maria Antônia, sempre ferina, aproveitou para dizer:
– Ora, Isabella, não precisa esconder. Não é só mercado, farmácia e passeios. Todas nós estamos sabendo que o motorista te leva pra cama também.