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Conversas Praianas: o Bondindinho

Elas se reúnem quase todas as tardes no Mares do Atlântico, para conversas que lembram o passado de cada uma, vivido em diferentes cidades. Três delas, com apartamentos na Barra Sul, pegam o Bondindinho, seis quilômetros de viagem, para vir conversar com as amigas. Essa viagem gratuita em transporte coletivo, já deu pano pra manga. […]

Elas se reúnem quase todas as tardes no Mares do Atlântico, para conversas que lembram o passado de cada uma, vivido em diferentes cidades. Três delas, com apartamentos na Barra Sul, pegam o Bondindinho, seis quilômetros de viagem, para vir conversar com as amigas.

Essa viagem gratuita em transporte coletivo, já deu pano pra manga. Maria Georgina, de Xanxerê, conhecida pela franqueza que incomoda, que algumas vezes causa mal estar, discussões acaloradas e até bate-bocas de ficar de mal com a outra, perguntou meio na brincadeira, meio na seriedade, se as três não tinham vergonha de usar o transporte gratuito.

– Eu, sinceramente, não entendo. Vocês moram em apartamento de frente pro mar, pegam o Bondindinho, ficam naquela parte reservada ao transporte gratuito e atravessam a praia de sul a norte para vir até aqui falar da vida alheia. Vocês não têm vergonha de viajar espremidas, sacolejando naquele pequeno curral reservado para os idosos? Por que não pegam um taxi ou um Uber e dividem o custo? Sai barato, quase nada, para cada uma. E deixem o transporte gratuito para os velhos necessitados. É porisso que o Brasil não tem mais jeito.

Conhecedoras das frequentes inconveniências de Georgina, as demais amigas procuraram levar na brincadeira aquele sermão de censura, aquela descompostura descascada em público. Foi um riso forçado, amarelado para descontrair o clima de tensão. Não adiantou, uma das usuárias do transporte gratuito não gostou do que tinha acabado de escutar. Achou a pergunta inconveniente, até grosseira e mal-educada. Sentiu-se ofendida e a resposta veio rápida.

– Olha, o Estatuto do Idoso garante transporte gratuito para todas pessoas acima de 65 anos, sem fazer qualquer distinção. O Estatuto não quer saber se a velha mora em frente ao mar, do outro lado da BR-101 ou no morro, numa favela. Para a lei, todos são iguais. Assim, ninguém aqui da turma tem direito de criticar a outra que usa o transporte público de graça. Acho que nenhuma de nós tem que se preocupar com a vida dos outros. Muito menos, ninguém da turma pode ficar criticando a vida das amigas.

– Eu, por exemplo, sei que tu, Georgina e o teu marido não usam cheque nem cartão de crédito. Pagam tudo em dinheiro vivo. E já escutei dizer que é para sonegar imposto de renda e fugir do Leão. Mas, nunca saí por aí fofocando sobre isso, que é problema da Receita Federal.

Maria Georgina procurou remediar, dizendo que não teve intenção nenhuma de ofender as amigas da Barra Sul. Só queria que elas entendessem que tem gente idosa mais necessitada de transporte gratuito.

Mas, o ambiente estava pesado, tenso. Já não havia mais clima para qualquer conversa amistosa. Então, Maria Antônia, mais velha da turma, aproveitou o silêncio sepulcral para dizer que a água quente do chimarrão tinha acabado e que era melhor continuar a conversa no dia seguinte.