Covid-19, marido negacionista
Parece que o coronavírus, agora travestido de alfabeto grego, se cansou de nos atormentar e de tripudiar sobre a nossa condição humana de fraqueza e mortalidade. Ao que tudo indica, esse germe patogênico está se recolhendo às trevas de onde nunca deveria ter saído. Ao menos é o que indicam os números de doentes graves […]
Parece que o coronavírus, agora travestido de alfabeto grego, se cansou de nos atormentar e de tripudiar sobre a nossa condição humana de fraqueza e mortalidade. Ao que tudo indica, esse germe patogênico está se recolhendo às trevas de onde nunca deveria ter saído. Ao menos é o que indicam os números de doentes graves e mortos de cada dia. É interessante, nunca havia se contado o tempo de forma tão fracionada e ansiosamente, dia após dia, como nesses dois últimos e terríveis anos de pandemia.
Integrantes do triste batalhão do “grupo de risco”, as duas amigas professoras há muito tempo aposentadas, encorajadas pelos decretos de queda das máscaras, ganharam coragem para frequentar os mesmos lugares de antes da pandemia. Como muita gente das suas idades, deixaram os seus casulos domésticos do afastamento social e os encontros depois do tempestuoso tempo covidiano voltaram a acontecer com a liberdade tão esperada.
As duas quase se esbarraram no corredor do supermercado, no meio de duas prateleiras atopetadas de cosméticos. O coronavírus metendo medo em todos, principalmente no pessoal da terceira idade, fazia tempo que elas não se viam. E o abraço saudoso aconteceu de imediato.
— Há quanto tempo não te vejo! Como passaste este tempo de pandemia, amiga? Eu tomei muito cuidado, sempre usei máscara e só saía de casa quando era preciso. Como sabes, meu marido é muito cuidadoso. Tomamos logo a vacina e, felizmente, escapamos ilesos dessa maldita covid. Agora, sinto-me mais segura e estou saindo mais de casa, sem abusar é claro. E tu, também tomaste a vacina?
— Eu sempre acreditei na ciência médica, disse a outra amiga. Fui das primeiras a tomar a Coronavac e consegui evitar esse desgraçado do coronavírus. Mas, o meu marido passou mal. Conheces bem como ele é, teimoso que nem mula. Bolsonarista de carteirinha, fez questão de seguir o péssimo exemplo do presidente e se recusou a receber o imunizante. Saía de casa todas as manhãs e tardes. De noite, ia jogar bocha no clube Independência. Fez de tudo para pegar a “gripezinha”. Mas, tomava ivermectina e cloroquina conforme a receita do presidente, imaginando que evitaria o contágio pelo coronavírus.
— Amiga, não deu outra. Meu marido passou mal e pagou caro pela bravata negacionista. Teve que ser internado, ficou na UTI por 20 dias e quase fiquei viúva. Continua com a teimosia.
— E, agora, como ele está, ficou com alguma sequela?
— Olha, é teimosia que não acaba mais. Diz pra todo mundo que teria morrido se não fosse o tratamento precoce. Agora mesmo é que não toma mais vacina nenhuma.
— Ainda bem que a epidemia está passando. Vivo preocupada por causa desse fanatismo de acreditar em tudo o que o Bolsonaro diz.