Dia do revisor
No romance História do Cerco de Lisboa, José Saramago, único prêmio Nobel da Literatura portuguesa, narra a história das batalhas travadas pelo exército lusitano contra os mouros que, por já quatro séculos, ocupavam a península ibérica. Segundo a história real, o rei português Afonso Henriques, com a ajuda dos Cavaleiros Templários, ordem militar-religiosa medieval, conseguiu derrotar os invasores mulçumanos e reconquistar Lisboa, em 1147, vitória considerada fundamental para a consolidação da nação lusitana.
O personagem central do romance de Saramago é Raimundo Benvindo, o melhor revisor de textos de uma importante editora portuguesa. Tendo recebido o original de um livro sobre o referido fato histórico para fazer o trabalho de revisão, Raimundo altera de forma proposital uma frase para afirmar que os Templários “não” ajudaram os portugueses a derrotar os muçulmanos. A obra foi publicada e a editora recebeu uma saraivada de críticas pelo grave e imperdoável erro histórico e de revisão.
Para os dirigentes da editora, era preciso demitir o revisor por ter mudado do texto original de forma intencional. Para ele, os portugueses não precisaram dos templários para derrotar os mouros, o que significava a própria história real. Ora, não é função do revisor corrigir afirmações, ideias ou posições assumidas pelo autor do texto. Pode sim, adverti-lo se notar algum erro, contradição, afirmação falsa ou falta de coerência do texto.
No entanto, graças à sua competência, extrema dedicação e, principalmente, à diretora do departamento de revisão, com quem passa ter uma relação amorosa, Raimundo acaba permanecendo na editora. Mas não é isso o que importa para o texto desta minha crônica
O que cabe aqui destacar é que, na sua narrativa ficcional, Saramago pretende homenagear o revisor, essa figura anônima, que trabalha silenciosamente nos bastidores das redações para que os textos de livros, revistas e jornais sejam editados com a rigorosa observância das regras da gramática, sem erros de ortografia, de regência ou concordância nem de pontuação. Só assim, o futuro leitor terá em mãos uma obra impressa numa linguagem conforme a norma culta da Língua Portuguesa.
Mesmo com o avanço tecnológico, que oferece programas virtuais de correção de texto, a importância do trabalho do revisor continua indispensável. Afinal, sintaxe, pontuação e coerência da frase não pode ser produto da inteligência virtual.
Meu primeiro livro publicado, Curso de Direito Penal, com mais de 500 páginas, não passou pelo crivo corretivo, pela lupa criteriosa e atenta de um bom revisor. A primeira edição chegou às mãos dos meus alunos com muitos erros de ortografia, sintaxe e pontuação. Por mais que o autor leia e releia o seu próprio texto, sempre algum erro gramatical, alguma impropriedade de regência ou de concordância acabará passando sem ser notada.
Hoje, meus livros e minhas crônicas passam pelas mãos de um competente, diligente e dedicado revisor, meu amigo Francisco Daniel Imhof, a quem dedico esta crônica, pelo Dia do Revisor, ontem comemorado.