Filosofia de para-choque
Nas estradas, já não vemos caminhões que, além da carga, carregam frases escritas no para-choque. São pensamentos e ditos populares sobre o cotidiano das nossas vidas, satirizando governantes e políticos e a dura vida dos próprios profissionais da estrada. Foi uma moda caminhoneira comum nos anos 1960 e que foi sendo abandonada a partir deste […]
Nas estradas, já não vemos caminhões que, além da carga, carregam frases escritas no para-choque. São pensamentos e ditos populares sobre o cotidiano das nossas vidas, satirizando governantes e políticos e a dura vida dos próprios profissionais da estrada. Foi uma moda caminhoneira comum nos anos 1960 e que foi sendo abandonada a partir deste século. É claro que ainda podemos ver caminhões com uma dessas frases.
No entanto, a velocidade é a marca desta sociedade pós-moderna, que nos faz rodar a mais de cem, voar a mil quilômetros por hora, porque sempre estamos com pressa para chegar a um destino que será apenas um ponto de novas partidas. E assim, voando baixo sobre tapetes negros, já não temos tempo para ler as mensagens que viajam nas traseiras de jamantas e treminhões.
Na internet, essa rede de informações sem limite e sem fim, podemos ler algumas frases espirituosas. São verdadeiros ditados dessa filosofia popular itinerante, geralmente recheados com uma boa dose de ironia e bom humor, viajando sobre as rodas de um veículo de carga pelas estradas desse imenso território brasileiro. Anotei algumas delas e a primeira diz que “Se político andasse de caminhão, as estradas teriam melhor conservação”.
É uma crítica bem-humorada ao precário estado da nossa malha rodoviária, por onde transita a produção industrial e agropecuária brasileira. Ninguém desconhece que, salvo as rodovias pedagiadas com tarifas que pesam no bolso do caminhoneiro, as demais estradas deste país estão sucateadas ou em péssimas condições de tráfego.
A frase, temperada com as letras da ironia, também não deixa de atribuir aos políticos e governantes a responsabilidade por esse grave problema de circulação rodoviária, que afeta especialmente os mais de dois milhões dos nossos profissionais do volante, obrigados a viajar por estradas congestionadas e esburacadas.
A seguir, transcrevo mais algumas poucas, que falam por si só:
“Nasci pelado, careca e sem dente: o que vier é lucro”. “Tudo que é bom na vida faz mal ou é pecado”. “Não sou detetive, mas só ando na pista”. “Melhor chegar atrasado neste mundo do que adiantado no outro”. “A fortuna faz amigos, a desgraça prova se eles existem de fato”. “Saudade não tem braços, mas aperta”.
Penso que essas centenas de frases curtas, objetivas, jocosas, algumas escritas com uma boa dose de sarcasmo, são mensagens e recados amistosos que o caminhoneiro — um desconhecido que nem sonhamos quem seja — inscreve numa barra de ferro do seu veículo para nos deixar mais bem-humorados e alegrar o nosso espírito durante as viagens cansativas, desconfortáveis e irritantes, que fazemos por essas estradas perigosas e sempre entulhadas de veículos.